O Espiritismo brasileiro e a apologia do sofrimento humano
O Espiritismo brasileiro faz apologia ao sofrimento humano.
Ele segue uma cartilha moralista ultraconservadora, que nesta religião foi introduzida por Francisco Cândido Xavier.
O "médium" Chico Xavier era um entusiasta da Teologia do Sofrimento, corrente do Catolicismo medieval, e seu ultraconservadorismo remete à sociedade em que viveu e na qual foi educado.
É um ultraconservadorismo incurável e que o fez defender a ditadura militar, no programa Pinga Fogo, da TV Tupi.
Ele se mostrou inalterado até mesmo depois da ditadura, ainda mais porque sua velhice não lhe permitia mudar os valores para algo mais moderno e progressista.
Parece desagradável, mas realista: Chico Xavier foi extremamente conservador e um moralista retrógrado até o fim da vida.
E seu moralismo remetia sempre à ideia de que a pessoa deveria desperdiçar sua juventude com sacrifícios desmedidos e muita servidão e submissão rigorosa a seus superiores.
Isso é o extremo oposto ao que se via na Contracultura mundial, que reclamava a valorização do prazer e da iniciativa juvenil.
Chico Xavier reprovava isso, embora suas palavras quase sempre comedidas desse a falsa impressão de que ele apoiava tudo que era moderno.
Eram palavras comedidas feitas de forma a fazer uma pegadinha ao pensamento desejoso que, ingenuamente, via em Chico Xavier um "marxista, futurista, petista e ativista LGBTQ".
Ele nunca foi coisa alguma dessas causas avançadas. Chico Xavier tinha um reacionarismo de apetite bolsonarista ao qual só era excluída a opção pela violência, esta sim refutada pelo "médium".
Mas, de resto, era tudo bolsonarista: o trabalho exaustivo, a negação do debate nas escolas (Escola Sem Partido), a estrutura tradicional, patriarcalista e heterossexual, da Família, a prevalência do negociado sobre o legalizado, que favorece patrões durante acordos trabalhistas.
O moralismo xavieriano estava mais preocupado em pedir aos sofredores que aceitassem suas desgraças enquanto os algozes obtém privilégios abusivos do que resolver as desigualdades sociais de forma verdadeira.
Esse moralismo chega mesmo a pedir para as pessoas acreditarem que Deus é que fará com que os privilegiados paguem a conta de seus privilégios desmedidos e abusos e crimes de toda ordem.
Chico Xavier apoiaria Jair Bolsonaro se estivesse vivo em 2018. Se até Djavan apoiou o ex-capitão, imaginaríamos que o anti-petista Chico Xavier teria apoiado o rival Fernando Haddad?
Lógico que não.
O moralismo de Chico Xavier sempre foi retrógrado, tradicionalista dos mais doentios. É de sua natureza, não há pensamento desejoso que possa provar o contrário.
E seu moralismo remetia à triste sina do ser humano: obedecer e se sacrificar durante toda a juventude, para, na vida adulta, já com sinais de esgotamento físico, usufruir a vida nos limites do envelhecimento de seu corpo.
A pessoa é proibida de sonhar e desejar na juventude. Obedece demais, se sacrifica demais e, quando adulta, se confunde toda na hora do lazer, sem compreender o que é realmente se divertir.
Os pais não entendem a diversão de seus filhos e são capazes de confundir, por exemplo, o roqueiro Cazuza com o comediante Sérgio Mallandro.
Isso porque a juventude, na sociedade ultraconservadora, é só uma etapa de sacrifícios intensos, dentro daquelas pregações moralistas irritantes: "meter a cara", "dar murro em ponta de faca", "sacrificar até acima dos próprios limites".
É a "tirania da superação", que cria estórias falsamente bonitas que fazem os confortáveis se divertirem às custas do drama alheio.
Desperdiçam-se os potenciais da juventude com sacrifícios demais, tragédias demais, opressão demais, humilhações, ameaças, desastres, obstáculos, decepções, sobressaltos e estresses.
Quando a alma já está "esmagada", no começo da meia-idade, é aquela frescura: o corpo quer dançar uma valsa numa festa de rock'n'roll.
A pessoa só encontra espaço para o prazer quando perde suas energias, depois de conquistar objetivos com seus sacrifícios desmedidos.
E a pessoa que foi submissa demais, passa a mandar demais. É o pai e a mãe que ordenam aos filhos até o que não deveria ser ordenado a fazer.
Mas aí é a transmissão de gerações desse moralismo que cheira a mofo tóxico: a criminalização do prazer, da criatividade, da individualidade.
Juventude é só para servir, se sacrificar além da conta. "É meter a cara mesmo, dar duro até depois do limite, sacrificar até não poder mais", conforme diz a cartilha dessa tirania do moralismo humano.
Quando chega a meia-idade, a pessoa manda demais, e, como não tem força para curtir seu prazer, pede aos outros a lhe servirem, como vassalos.
A pessoa fica doente até para transar, dançar e coisa e tal. Suas danças precisam ser mais lentas, quando muito algum ritmo caribenho levemente dançante.
A lucidez mental se reserva a pedantismos que se confundem com sabedoria, através da ilusão do acúmulo de anos vividos e sacrifícios descomunais feitos para atingir uma certa prosperidade social.
O adulto que foi um jovem submisso e obediente demais se cansa desse excesso de obediência e passa a ser uma pessoa autoritária, que quer demais porque foi proibida de querer antes.
Passa a querer tudo, a exigir demais dos mais jovens, a fazer mais cobranças enquanto se recusa a ter autocrítica.
No lazer, os mais velhos se atrapalham tanto que acabam substituindo a diversão pelo pedantismo cultural, que os faz pretensamente cultos e falsamente politizados.
Tornam-se conservadores, porque acreditam que a vida de sacrifícios exagerados é a "fórmula do sucesso".
Numa família, é comum a figura do pai querer que o filho se sacrifique demais e valorize sua vitória na vida mais pela forma opressiva de conquistar uma meta do que a vantagem da meta conquistada.
Em outras palavras: o pai prefere ver um filho dando murro em ponta de faca do que em obter benefícios de qualquer modo.
Sem saber, o pai cai nesse moralismo viciado de que é melhor ser oprimido do que ser empregado, só valorizando a conquista de um emprego se ela foi feita com o máximo de sacrifícios.
Esse moralismo guia o Espiritismo brasileiro, que poucos reconhecem como uma religião de moralismo bastante retrógrado.
É porque quem não acredita nisso é, também, moralista retrógrado, e tem esse ponto sombrio inserido dentro de sua alma.
Quantos "progressistas" escondem dentro de si um conservadorismo bastante doentio?
É isso que faz o Espiritismo brasileiro ser aceito sob a complacência de seus seguidores.
Não é o Espiritismo brasileiro que é progressista. São aqueles que, tidos como progressistas e que definem o Espiritismo brasileiro como tal, é que são terrivelmente conservadoras.
É um conservadorismo doentio que pode não ser abertamente manifesto, mas que aparece dentro de algum comentário ou outro, eventualmente expressos.
Daí o ultraconservadorismo que voltou com toda força no Brasil.
Imaginávamos que os brasileiros eram todos bastante progressistas e modernos.
Mas, apesar do século XXI, nota-se um conservadorismo neo-medieval, que acabou sendo admitido até por jovens que perderam a vergonha desse caráter retrógrado.
Daí a aceitação desse Espiritismo brasileiro que pede para as pessoas se sacrificarem demais na juventude para obter alguma bênção na velhice ou depois da morte.
Querer o "progresso" humano dessa forma não é progressismo. É opressão obscurantista e medieval.
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