Missivista reclama do moralismo retrógrado dos pais e da sociedade



Um missivista, que usa o pseudônimo de Aurélio, escreveu a seguinte carta reclamando do moralismo retrógrado de sua mãe e seu pai. Ele é adulto, mas é tratado como criança e ainda seus pais sofrem quando não são obedecidos por ele:

"Prezada equipe do Estudo Realmente Espírita,

Como o Espiritismo trata de trabalhar as questões humanas, vale aqui meu desabafo. Tenho 44 anos, moro com os pais, minha vida foi quase toda de adversidades acumuladas sem controle, não tenho um emprego estável e meus pais às vezes querem que eu faça tudo só para eles, de manhã.

Eles são espíritas, pelo menos no sentido que se conhece no Brasil. Eu fui, mas isso nunca me ajudou na vida, e, como o moralismo dessa religião não resolve muito e ela sempre considera as vítimas de um infortúnio como culpadas - é aquele papo de criminalização da vítima - , então eu larguei essa religião, porque eu recorri a ela para me ajudar e me dar mais sorte na vida e o que me ocorreu foi o contrário.

Volta e meia tenho discussões sérias com meus pais. Às vezes minha mãe faz um dramalhão só porque eu não fiz o que ela esperava que fosse feito. Tenho que obedecer o tempo todo a eles, e meu pai é outro problema, porque ele conversa pouco, mas quando dá bronca parece que as palavras lhe faltam, ele quer ficar mais de uma hora ralhando, irritado.

Eu quero respeitar meus pais. Mas às vezes sinto que tenho que ser uma espécie de avestruz humano, sempre baixando a cabeça para tudo. Tive meus planos de vida, meus sonhos que não eram nada errados, não eram coisas de viver na moleza ou nos gozos materiais. O mais engraçado é que, a cada tratamento espiritual, eu contraía, na verdade, falsas oportunidades, estas sim mais ligadas aos gozos materiais do que ao aprimoramento espiritual.

A religião espírita me cobrava desapegar do sensualismo, da cupidez, mas como? As oportunidades profissionais envolviam empresas desonestas cujos donos queriam pessoas de talento mais por tendenciosismo. E, na vida amorosa, eu só atraía as chamadas 'periguetes', a ponto de evitar certos horários de caminhada, porque o assédio delas era bastante atrevido.

Enquanto isso, em casa, eu só posso ser o faxineiro, faxinar até quando não precisa, ou, se quisesse sair da situação, estudasse feito um condenado para concursos. Estudo, estudo, faço as provas procurando assinalar as respostas certas e os 'robôs' que leem os cartões de resposta marcam certas questões erradas, mesmo quando corretamente assinaladas conforme o gabarito. Se 'robôs' conseguem dar falsas repercussões nas redes sociais, eles podem também criar falsos aprovados nos concursos, gente que tirou 52 na prova mas entram na lista de aprovados por causa das leituras óticas erradas desses cartões.

Eu já 'meti a cara', 'dei murro em ponta de faca' porque 'não está fácil, tem que dar duro mesmo'. Fiz muita coisa, e meus pais não entendem. É muito fácil quem é mais velho, ou é líder religioso, empresário, político etc, dizer que a vítima é a culpada. Vivemos na ditadura da meritocracia, na qual se dá falsa igualdade de oportunidades, como naquela fábula das espécies animais.

De que adianta dar oportunidades iguais a peixes, macacos, elefantes, girafas e pássaros, se eles têm habilidades naturais diferentes? Um peixe vai dar altos saltos para o topo da árvore? De jeito nenhum, por mais que o peixe 'meta a cara'! E o moralismo dos pais? Eles não conseguem entender que nem sempre quando os filhos usam o computador é para brincadeira, não compreende esse problema da meritocracia.

Em muitos casos, nosso 'recreio' no computador é para ver notícias, aprender inglês, treinar nosso raciocínio, exercitar a escrita e a nossa atenção. É certo que, em outros casos, a garotada fica brincando mesmo e atuando mal nas redes sociais, ofendendo os outros e coisa parecida. Mas nem todos fazem isso e os mais criticados pelos pais são justamente aqueles que fazem algo útil.

O pai estufa o peito e engrossa a voz cobrando do filho para 'meter a cara', 'dar duro na vida', porque 'a vida não está mole, vivemos no mundo cão, tem que ser assim mesmo'. Mas por que ele também não cobra dos empregadores a oferecerem emprego? Tem muito empregador que espera um humorista tipo Danilo Gentili, um empregado que conta piada pros colegas, ou então um torcedor de futebol nos moldes do Galvão Bueno, ou então um galã de novela tipo Malvino Salvador!

É preciso cobrar dos empregadores e não dos desempregados. Tenho pena de tantos homens ditos 'de bem' que, diante dos pedintes, murmura um comentário tipo 'Vá procurar emprego,vagabundo', sem saber que, só para uma entrevista de emprego, o desempregado tem que comprar a roupa certa, fazer toda uma encenação, fingir alegria e forte auto-estima mas não ir longe demais. Não se sabe o que o entrevistador do emprego quer e isso angustia qualquer um, mas ninguém pode levar essa angústia para a entrevista se não perde o emprego.

Vivemos numa sociedade hipócrita, em que as pessoas que se julgam portadoras de sabedoria, experiência de vida e méritos sociais diversos estão mais erradas do que se imagina. A ideia não é forjar falsa modéstia, dizer que 'sim, nos erramos muito', porque isso está sendo até irritante, ver pessoas dizendo que são 'gente como a gente', que 'não são donas da verdade', que 'cometem muitos erros na vida' etc. Isso não compensa o medo de autocrítica das pessoas que têm algum privilégio, mesmo que este seja o tempo de vida, porque têm medo de serem desnudados por outrem.

Peço que me ajudem, pelo menos mostrando essa carta. Eu não quero viver com adversidades que chegam a mim sem controle e contra as quais nem uma overdose de orações consegue afastar. Eu gostaria que a vida mudasse, e eu admito que cometi erros profundos, sim. Mas o problema é que eu queria me levantar das piores quedas e as circunstâncias nunca me ajudaram, e aí eu não sou culpado pelo meu esforço de me levantar. A sociedade é que se responsabiliza por não oferecer as condições para tanto. Deveríamos pensar na parábola do bom samaritano".

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