Sociólogo Jessé Souza define como injustas ideias análogas às de Chico Xavier
O sociólogo Jessé Souza, um dos mais conceituados intelectuais brasileiros, jogou uma pá de cal não só nos seguidores de Sérgio Buarque de Holanda e Raimundo Faoro, que segundo ele são divinizados pelos círculos intelectuais não só de direita, mas também de esquerda.
Também jogou uma pá de cal naqueles que pensam que o "medium" Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier, é "eminência parda" do pensamento progressista brasileiro.
Em seu livro A Radiografia do Golpe: Endenta como e por que você foi enganado (São Paulo, LeYa, 2016), ele fala sobre o chamado "privilégio injusto" que a sociedade da ordem impõe aos excluídos sociais.
Ele afirma que esse processo, antigamente, era feito pela religião, mas hoje é feita pela ciência, através do discurso que ele define como "racismo científico" dentro de um conjunto de valores que se fundamentam na demonização do Estado e na santificação do mercado.
Através desses valores, Jessé contrapõe o mito do "protestantismo racional" do indivíduo do "mundo desenvolvido" com o mito do "homem cordial" que se acreditava haver no Brasil.
É a contraposição entre o indivíduo "impessoal", "racional" e "honesto" simbolizado pelo mito dos "paises desenvolvidos" e o indivíduo "emotivo", "sensual" e "corrupto" que é promovido em países "emergentes" como o Brasil.
Nesta abordagem, identificamos um trecho do referido livro no qual Jessé fala da religião.
Sem mencionar o nome da Teologia do Sofrimento e evocando apenas o exemplo católico, Jessé descreve ideias análogas ao pensamento moral de Chico Xavier.
A aceitação do sofrimento, sob o pretexto de que se será recompensado no "outro mundo", é bem caraterístico no Espiritismo brasileiro através das ideias do "médium".
Para piorar, a abordagem religiosa que Jessé atribui ao passado como um recurso obscurantista das elites é, lamentavelmente, vendida hoje como "causa progressista" pelas esquerdas complacentes com o Espiritismo de ideias medievais existente no Brasil e simbolizadas pelo "bondoso médium".
Iludidas pela embalagem agradável que envolve o mito de Chico Xavier, as esquerdas menosprezam que o "médium" defenda um repertório ideológico bastante conservador, baseado na ideia de que os sofredores devem "suportar as adversidades, sem queixumes".
Entende-se como "privilégio injusto", da parte dos desafortunados da sorte, a sua situação degradante ou de pesadas adversidades, vista como "positiva" e "merecida" pelo discurso religioso.
No final do texto, Jessé menciona que outras religiões adotaram o mesmo discurso católico de justificação dos privilégios, até de maneira mais elaborada. É o que podemos inferir, a partir do trecho abaixo, com o que fizeram com o Espiritismo no Brasil.
Para quem duvida disso, reproduzimos um pequeno trecho no qual se comprova a analogia de tais ideias. Os grifos no trecho selecionado são nossos:
"(...) As elites do dinheiro e do poder precisaram, em todas as épocas, convencer a imensa maioria dominada e explorada que seus privilégios são merecidos e justos. Se esta justificação hoje em dia é feita pelos 'cientistas', no passado a elite intelectual que se incumbia desse trabalho era religiosa. Era a religião, e não a ciência, que interpretava o mundo. Por conta disso, todas as grandes religiões mundiais desenvolveram mecanismos de justificação do privilégio e da riqueza. Antes que a política se diferenciasse como uma esfera autônoma, a religião fazia também o trabalho da política. O cristianismo ocidental, por exemplo, levou ao paroxismo a justificação do privilégio injusto ao sacralizar a ordem mundana, repetindo-a na hierarquia religiosa. Se os reinos tinham seus reis, duques e condes, a igreja tinha o papa, o cardeal, o bispo etc. A correspondência entre as hierarquias profana e sagrada era perfeita e servia para justificar por 'vontade divina' o mundo como ele era. O dado fático, a vida injusta, era transformado em desejável e moralmente justo. Por conta disso, dados potencialmente revolucionários do cristianismo, a noção de humildade e a experiência da humilhação, percebidas como virtudes redentoras, e não como fraquezas, foram vistas como ensejo para uma recompensa no 'outro mundo', e não 'neste mundo'. Com isso, a justificação do privilégio fático e injusto se torna perfeita. Todas as outras grandes religiões mundiais construíram mecanismos de justificação do privilégio semelhantes ou até mais elaborados".
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