Luís Fernando Veríssimo, vivo, sofre a sina de Humberto de Campos
Infeliz de um país que literatura fake é tida como autêntica por causa de mensagens agradáveis, ainda mais sendo as mesmas de propaganda religiosa.
É isso que, lamentavelmente, são as "psicografias", que não raro se distanciam, e muito, dos estilos originais dos autores alegados.
Há uma semelhança aqui e ali, mas não sejamos tolos: a intenção do falso é parecer verdadeiro, e esforços de imitação existem visando esse fim.
Uma coisa não é necessariamente autêntica porque lembra o original. Farsas aberrantes podem apresentar até mesmo as mais intrincadas semelhanças ao produto original.
A farsa acontece quando diversos motivos, como contextos, aspectos estranhos e outras procedências, indicam detalhes que, por menores que sejam, comprometam algum aspecto particular do original.
Lamentamos desagradar os seguidores de Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier.
Mas sua "psicografia" é comprovadamente uma fraude. Uma fraude que, é bom lembrar, ele não fez sozinho.
Teve parceiros por todo canto da FEB e consultores literários para lhe indicar o estilo a ser montado num pastiche.
Por um acidente, indicaram o estilo de Augusto dos Anjos para uma suposta mensagem de Antero de Quental, que não era brasileiro, era português.
Sabemos que muitos deslumbrados acham as "psicografias" de Chico Xavier "muito lindas", mas elas apontam tantos erros de estilos, de contextos etc que não dá para não considerar fraude.
O próprio "movimento espírita", acovardado, prefere deixar a questão das supostas psicografias "em aberto", dizendo que é "questão de fé acreditar ou não nessas obras".
Isso é uma covardia sem tamanho. Afinal, o "movimento espírita" não pode definir tais obras como "autênticas" porque há provas que derrubam essa hipótese.
Mas também não podem ser consideradas "falsas" porque, desta forma, as obras deixariam de serem publicadas.
Isso é uma ofensa ao legado de um autor. Bem ou mal, evoca-se o nome de um indivíduo.
Num processo movido pelos herdeiros de Humberto de Campos, em 1944, tornou-se famosa uma mensagem fake montada por Chico Xavier e Antônio Wantuil de Freitas, usando o nome do autor maranhense, que diz uma coisa impensável:
"Eis, porém, que comparecem meus filhos diante da justiça, reclamando uma sentença declaratória. Querem saber, por intermédio do Direito Humano, se eu sou eu mesmo, como se as leis terrestres, respeitabilíssimas embora, pudessem substituir os olhos do coração. Abre-se o mecanismo processual, e o escândalo jornalístico acende a fogueira da opinião pública. Exigem meus filhos a minha patente literária e, para isso, recorrem à petição judicial. Não precisavam, todavia, movimentar o exército dos parágrafos e atormentar o cérebro dos juízes. Que é semelhante reclamação para quem já lhes deu a vida da sua vida? Que é um nome, simples ajuntamento de sílabas, sem maior significação? Ninguém conhece, na Terra, os nomes dos elevados cooperadores de Deus, que sustentam as leis universais; entretanto são elas executadas sem esquecimento de um til.
Na paz do anonimato, realizam-se os mais belos e os mais nobres serviços humanos".
Esta frase é de uma imoralidade tremenda. Além disso, é um asneirol considerar que os "olhos do coração" estejam acima das leis terrestres e, por conseguinte, da lógica e do bom senso.
Deixemos de ser idiotas! Humberto não permitiria essa licensiosidade e, ainda por cima, se há toda essa despreocupação com a "patente literária", então que não se usasse o nome de Humberto, pois!
Diante disso, Chico Xavier acabou virando o "padroeiro dos fakes", ele que foi um dos pioneiros dessa literatura fraudulenta que, diante da cegueira das paixões religiosas, se deixa circular livremente e até mesmo de graça!
E isso sob o preço de Humberto de Campos, o original, estar fora de catálogo, para evitar comparações.
Uma leitura comparativa entre as obras originais e as "mediúnicas" derrubaria estas últimas, com certeza.
Daí que sabemos por que Chico não escolheu Machado de Assis para "psicografar". Se Humberto de Campos causou escândalo, o escritor carioca teria causado muito mais.
Humberto de Campos precisou morrer para que textos que ele nunca escreveria fossem produzidos sob seu nome.
Mas há escritores vivos que tem esse "privilégio" de serem reconhecidos pelo que não escreveram.
Luís Fernando Veríssimo, escritor gaúcho, filho do também escritor Érico Veríssimo, é um deles.
Ele lida com paciência e senso de humor com a produção de textos fake que levam seu nome, e lamenta não poder fazer algo contra essa prática e encara com irônica tolerância essa sina.
Ele traz algumas soluções, através de sua declaração bem-humorada, conforme declarou ao jornal Folha de São Paulo:
""Não há o que fazer, que eu saiba, contra esse tipo de coisa. Já fui muito elogiado pelo que nunca escrevi, não estou me queixando. Chato vai ser quando um falso texto meu difamar alguém. Contra isso existem os livros e antologias, um jeito de driblar as armadilhas do tempo e dizer: olha, isso aqui fui eu mesmo que escrevi.
Há uma maneira de detectar se o texto é falso ou não: se o Luís da assinatura for com Z, o texto não é meu. Se for contra o Bolsonaro, é".
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