Uma missivista comenta a tragédia dos feminicidas



Outra missivista, Marlene Campos da Rocha, de São Paulo, comentou também sobre os textos que aqui falam da tragédia dos feminicidas:

"Prezados amigos,

Realmente é um grande tabu falar na tragédia dos feminicidas. É até estranho que informações se desencontrem, porque quando se fala que machista se descuida da própria saúde, evita fazer exame da próstata, combina álcool e volante e provoca acidentes de carros, fala-se de machistas comuns, talvez relativamente inofensivos.

Quanto falamos dos machistas que, por uma explosão de ciúmes doentios, matam suas mulheres, a sociedade adota uma postura muito estranha. Ao mesmo tempo em que perguntam "a morte de um feminicida vai interferir na minha vida?", eles se irritam quando se fala que eles estão doentes e perto da morte.

A postura é mais ou menos assim. O dito "cidadão de bem" trata o feminicida famoso como alguém que "está morto sem morrer". Querem apenas a "morte simbólica" do esquecimento, mas se indignam com a morte real do perecimento final do corpo físico. Preferem que o feminicida viva escondido no seu ostracismo do que ver o nome de um feminicida no obituário do Wikipedia ou das primeiras páginas dos jornais.

Considero isso um sentimento hipócrita, principalmente em relação a um famoso feminicida cujo crime ele cometeu nos anos 70, matando uma mulher na véspera do Reveillon numa cidade balneária e julgando ter cometido o ato covarde por "legítima defesa da honra".

Quando se fala que esse machista, ex-playboy da alta sociedade, antigo galã das festas dos mais ricos, está morrendo, não se está fazendo nenhuma ofensa, nenhuma calúnia, nenhum desaforo. Fico assustada com esse chilique só para dizer que esse machista está com câncer, mesmo com o fato de que ele fumou e cheirou tanto quanto muito famoso dos anos 70 que já morreu. E quem se preocupou com o tabagismo inveterado do ex-playboy foram seus amigos, que ofensa tem anunciar uma tragédia?

Feminicidas não são pessoas mais especiais, não são super-homens que, ao matar suas mulheres, lhes roubam o tempo de vida que somaria aos seus. Não existe antropofagia passional. Não há machista super-homem. Temos dois feminicidas idosos que estão a poucos passos do túmulo, pelos próprios descuidos à saúde - além do ex-playboy, um ex-jornalista que tomou overdose de comprimidos e já se informou que ele sofre de câncer e diabetes - , mas também temos vários feminicidas não tão idosos assim, mas que apresentam indícios de tragédia próxima.

Tem feminicida de 62 anos com corpinho de 77. Tem feminicida visto com estranha perda de peso e sinais de fraqueza. Tem feminicida dirigindo carro como se estivesse fazendo um pega de automóvel, quando entra numa rodovia movimentada.

Que "dano moral" existe quando se fala que feminicidas também morrem? Que apego é esse da "sociedade defensora da moral e dos bons costumes" tem com os feminicidas? Quando se fala da tragédia que eles produzem para si mesmos, se fala dos efeitos que eles produzem para suas próprias vidas. Não podemos esconder as doenças e debilidades dos homens que matam suas mulheres. Eles estão entre os que, entre outros males, mais sofrem risco de morrerem de infarto, mesmo antes dos 60 anos de idade.

Na sociedade machista em que vivemos, bonito é ver nós, mulheres, mortas pelos maridos, perdendo a vida na flor da idade, até menos de 30 anos de idade. Mas os assassinos dessas mulheres, mesmo na mais vergonhosa impunidade, não podem morrer antes dos 60 anos. Não dá para entender por que a sociedade se preocupa tanto em ver feminicidas inteiros aos 95 anos, porque seus organismos não aguentariam tanto, de tão massacrados que são.

Machistas fumam demais, alguns consomem drogas pesadas e remédios de tarja preta, se embriagam, perdem a forma física e até uma simples fúria que os faz matar suas mulheres os faz envelhecer vinte anos em vinte dias.

Fiquem envergonhada quando um jornal de grande circulação disse que o tal ex-playboy "está muito ativo nas redes sociais". Isso é enganoso, o jornal quer vender um machista idoso como se ele fosse um influencer de 20 anos. O cara está com 84 anos, mas poderia ter morrido há 30 anos, de tanto ter fumado e cheirado. Por sorte, teve um bom hospital, dinheiro para remédios, talvez umas quimioterapias em hospital de elite etc. Mas não creio que o velho machista esteja com essa força toda para enfrentar as redes sociais, ainda mais sob o risco de sofrer infarto ou AVC só de ver uma notícia contrária ao seu machismo, que lhe daria lembranças dolorosas.

Na melhor das hipóteses, o velho machista quer descansar. A "atividade intensa" é de seus assessores, ou de sua família. Eles é que representam o velho machista que, na sua vida pessoal, só quer descansar. Eu lamento muito a inexperiência do jornalista que escreveu, que interpretou errado a informação das redes sociais e disparou, nas páginas do jornal, o factoide inverossímil de que um velho feminicida "tem fôlego" para encarar as redes sociais, em plenos 80 anos de provável deterioração do seu organismo.

Machistas também morrem. A canção do Rappa fala em "também morre quem atira". Machistas descuidam da saúde e a medicina confirma que eles estão mais sujeitos a morrer de infarto, câncer e acidentes de trânsito. Separar os machistas que matam suas mulheres desse contexto, logo quando eles é que têm um comportamento mais imprudente e explosivo, é estar fora da realidade. Eles são os machistas levados às últimas consequências, em tudo.

O que nos resta é olhar essas mortes sem ódio, sem rancor. É a imprensa aceitar que, no caso de um feminicida morrer, não ocultar essa tragédia, sobretudo jornais e sites que noticiam até morte de gandula de futebol por mal súbito. Omitir as mortes de feminicidas cujos crimes pararam o Brasil e cujos julgamentos ganharam o noticiário nacional é compactuar com o machismo e, além disso, enganar a sociedade.

Afinal, enquanto nossos jornalistas vendem a falsa ideia de que feminicidas, coroas ou idosos, estão com o "pique todo" para qualquer parada, uma boa parte deles é apenas um cadáver enterrado sob um caixão, em algum cemitério de uma cidade".

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