Sociedade começa a questionar padrão de "pacifismo" defendido pelo Espiritismo brasileiro


JAIR BOLSONARO, CÍNICO, FAZENDO POSE DE ATIRADOR, NO HOSPITAL, O QUE PODE ESTIMULAR AS AÇÕES VINGATIVAS DE SEUS SEGUIDORES CONTRA OS OPOSITORES DO CANDIDATO DO PSL.

Até pouco tempo atrás, aceitava-se qualquer texto que pareça "favorável à paz".

Mesmo que seja a "paz" do opressor, tolerante com sua desgraça e, da mesma forma, tolerante com os abusos do opressor, até as forças progressistas que lutam contra a opressão, sem querer, defendiam a "paz" que protege os opressores.

O incidente com Jair Bolsonaro chegou a criar, na chamada mídia hegemônica, uma comoção que chegou aos níveis da pieguice.

Não se sabe por ingenuidade ou tendenciosismo - a mídia hegemônica é bastante conservadora - , a mídia chegou a falar em "necessidade de tolerância", rejeitando "polarizações" do "Fla-Flu ideológico".

Quer dizer, a mídia hegemônica tentou dar a impressão de que a candidatura de Jair Bolsonaro é "tão salutar" quanto as demais.

Num surto de extrema pieguice, o jornal carioca O Dia publicou, na capa do dia 08 de setembro último, um manifesto-manchete sob o título "O Brasil quer paz".

Mas Jair Bolsonaro tem um diferencial negativo que deve ser levado em conta.

Ele representa valores sociais retrógrados, autoritários e socialmente preconceituosos.

Não se trata de um candidato conservador inofensivo, mas de alguém que faz gestos incitando a violência e a discriminação social.

Tolera-se, portanto, a intolerância e isso é muito perigoso, porque a própria imprensa colabora para a criação de um "monstro" que é Jair Bolsonaro, que, caso vença as eleições, será a chegada dos chamados sociopatas da Internet ao poder.

Imagine o Brasil, como um todo, transformado numa extensão das comunidades das redes sociais cujos valentões impõem o pensamento único e organizam campanhas coletivas de humilhação de quem discorda de qualquer coisa do establishment?

A "paz" defendida pelo Espiritismo brasileiro ignora o outro lado.

É verdade que temos que rejeitar a violência, até para não nos identificarmos com a mesma barbárie que reprovamos da parte do outro.

Mas o grande problema é que também temos que medir nosso grau de tolerância, porque a tolerância pode representar, também, um sinal verde para a barbárie alheia.

O silêncio pode ser, muitas vezes, uma autorização para as atrocidades do outro, e o perdão, quando incondicionado, mais parece uma permissão do que uma tolerância ao erro ou ao crime do outro.

Setores das esquerdas brasileiras, ingenuamente, apelaram para o ultraconservador Francisco Cândido Xavier para divulgar supostos apelos para a paz.

Foram duas vezes. Ribamar Fonseca, em 2016, e Ricardo Kotscho, em 2018.

Na boa-fé, recorreram a Chico Xavier, um paradigma de pretenso filantropo nos padrões da Rede Globo de Televisão (que trabalhou o "médium" sob o mesmo apelo da "caridade espetacularizada" que hoje trabalha com Luciano Huck) e reacionário revelado no Pinga Fogo da TV Tupi.

Chico Xavier, se vivo estivesse, teria apoiado Jair Bolsonaro, embora sob reservas.

O "médium" teria dito, provavelmente, essas palavras:

"Entendo que os queridos irmãos vejam no senhor Bolsonaro uma figura desagradável e perigosa, mas também compreendo que precisamos encarar certos sacrifícios, conforme sempre orientou Emmanuel, diante da urgência de disciplina no nosso país".

Adepto da Teologia do Sofrimento, Chico Xavier sempre pedia para os sofredores aceitarem as desgraças, que afirmava serem "passageiras".

Chico sempre dizia: "aceite o sofrimento sem queixumes, ore em silêncio, não faça questionamento algum". Isso em suas obras e em obras que, pretensamente, levavam os nomes de autores mortos (mas claramente refletiam o pensamento e o estilo pessoais do suposto médium).

Mas, dentro da Teologia do Sofrimento, o caminho da agonia sempre termina quando a pessoa atingir o fundo do poço. Ou seja, para deixar de sofrer, a pessoa teria que suportar o auge do sofrimento.

Daí a estranha "psicologia" dessa corrente do Catolicismo medieval: para obter um benefício, a pessoa tem que primeiro encarar um prejuízo, por pior que seja.

Esse prejuízo pode ser a perda de um ente querido, o incêndio em sua casa, o auge de humilhações e ameaças etc.

É como se o holocausto fosse visto como o "túnel para a salvação".

E aí, no "pacifismo" de Chico Xavier, nota-se que as esquerdas saíram equivocadas ao prestarem consideração a essa figura marcada pelo conservadorismo ideológico.

Uma "paz sem voz" que mais parece medo do que esperança, mais consentimento do que tolerância.

A "tolerância" mais parece ser do prejuízo da própria pessoa do que do direito do outro poder errar ou não.

O "pacifismo" que a mídia hegemônica descreve, como a suposta igualdade dos candidatos, era uma forma de inserir o fascista Bolsonaro num contexto de suposta imparcialidade, que mais parece favorecer sua popularidade fake.

O "pacifismo" é mais um apelo piegas, sentimentalista, num país que acha maravilhoso ouvir a tal "voz do coração".

De repente, nos esquecemos que somos seres racionais e caímos na falácia de "ouvir o coração" que nos permite aceitar qualquer absurdo.

E é esse "pacifismo" que começa a ser criticado pela sociedade, porque não traz a verdadeira paz social, que, eventualmente, é conquistada sob conflitos e não pelo consentimento geral a tudo.

O "pacifismo" do Espiritismo brasileiro privilegia a ideia de que os sofredores têm que aguentar suas desgraças, ao mesmo tempo que têm também que tolerar os abusos dos algozes.

Baseado nessa tese, nessa guerra unilateral, atribui-se a Deus o arbítrio para punir os algozes, que no entanto têm uma encarnação inteira como moratória para cometer seus atos abusivos.

Nesse sentido, surgem as ideias do "estelionato moral" e do "fiado espírita", que oficialmente inexistem na doutrina igrejeira brasileira.

No "fiado espírita", os privilegiados ou opressores que cometem atos abusivos têm a encarnação inteira como moratória, estando livres de responder pelas duras consequências de seus atos.

Eles só pagarão na encarnação seguinte ou, na melhor das hipóteses, no fim da velhice.

Já quem não é privilegiado e sofre as piores desgraças, sofre o chamado "estelionato moral", quando precisa pagar com sofrimento pesado e prejuízo até depois do arrependimento e do aprendizado dos erros que motivam tais desgraças.

Segundo o Espiritismo brasileiro, o sofredor é um "privilegiado que errou" e o privilegiado, "um sofredor que aprendeu a lição".

Esse moralismo binário é que está em jogo nesse discurso sobre a "paz". Uma "paz sem voz" que nem de longe promove a verdadeira paz, que se estimula através da justiça social e não pela tolerância da desigualdade.

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