O fenômeno Bolsonaro e o apego ao passado dos brasileiros



A ascensão de Jair Bolsonaro, com toda a certeza, não representa de forma alguma o novo.

Ele representa o velho, o saudosismo doentio dos viúvos da ditadura militar, do "milagre brasileiro" de 1969-1974, da democracia castrada de 1974-1979 e, em outros aspectos, de antigos privilégios anteriores a 1930, como o elitismo da República Velha e a religiosidade do período colonial.

A neurótica ânsia de uma parcela de brasileiros em querer ver um símbolo do autoritarismo político governando o país é sintoma desse apego ao passado que contagia muitos brasileiros.

Não é uma nostalgia saudável, dessas que evocam o glamour de tempos passados. É um apego doentio, um desespero em resgatar privilégios e condições sociais que hoje não fazem sentido.

O apego é tanto que as pessoas se incomodam com a possibilidade de morrerem velhos feminicidas, que outrora haviam sido símbolos de um machismo punitivista, que resolvia problemas conjugais a bala.

Dois famosos feminicidas, já idosos, estão seriamente doentes, e a grande mídia está escondendo esse drama . Por outro lado, há casos de famosos feminicidas relativamente jovens que apresentam pontos de vulnerabilidade que sugerem riscos de mortes prematuras.

Se esse apego envolve até feminicidas, é sinal que nossa sociedade está doente, no seu apego a velhos paradigmas, velhos totens, velhos conceitos e velhos privilégios. Se defende a volta de um tipo de Brasil que se encontra obsoleto e sem o menor sentido prático para nossos dias.

E para quem pensa que o Espiritismo brasileiro, por falar em "desapego à matéria e ao passado", está fora dessa, está enganado.

Tudo isso é maneira de dizer. O Espiritismo brasileiro é o que mais promove o apego, e da maneira mais doentia e mais mórbida possível.

Em primeiro lugar, porque, no seu juízo de valor e sem estudos nem pesquisas sérios, supõe encarnações antigas que acabam promovendo vaidades ou traumas nas pessoas.

E que apego maior está na adoração cega e submissa a um farsante como Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier?

Ele começou escandalizando com literatura fake e hoje ele é divinizado ao extremo. E quem acha que isso é natural como o ar que respiramos, deixemos claro que essa narrativa que deixa muitos sucumbirem à paixão religiosa foi em boa parte fabricada pela Rede Globo de Televisão.

A Rede Globo, que uma parcela da sociedade que diz odiá-la, no entanto, segue suas lições direitinho, constrói ídolos e vilões aqui e ali.

As pessoas acabam tendo uma percepção midiática, novelesca e ficcional das coisas.

Já se alerta para os pontos em comum de Chico Xavier e Jair Bolsonaro, dois ídolos fabricados através da narrativa engenhosa da mídia.

Chico é o "filantropo" das novelas da Globo, de uma "filantropia" espetacular que não traz resultados sociais profundos, mas promove a mais cega e obsessiva fascinação pelo "benfeitor".

Os apelos envolvendo Chico Xavier são alucinógenos. A presunção dele "falar com os mortos", uma grande farsa mas que muitos acreditam como "verdade indiscutível", influi nisso.

Ele expressa um apelo alucinógeno associado a paisagens floridas, céus ensolarados com nuvens brancas, sua peruca e seu boné são adereços que funcionam como as caudas das sereias da Odisseia de Homero.

Chico Xavier é, nesse sentido, a sereia moderna, no sentido de um monstro traiçoeiro cujo canto é capaz de fazer afogar, ao caírem no alto mar, tripulações inteiras dos navios.

Ele também evoca aspectos saudosistas e obsoletos de zona rural, comportamento interiorano e inocência humana trazidos pelo imaginário conservador mais antiquado.

Além disso, ele é repositório de supostas virtudes que as pessoas são incapazes de ter por conta própria, e a adoração a ele é uma forma das pessoas disfarçarem seus próprios defeitos.

Muitos adoradores de Chico Xavier porque o consideram "o bom velhinho" são os mesmos que jogam seus parentes idosos, seja o avô, a avô, o pai e mãe idosos, para o asilo, com a indiferença com que se jogam móveis velhos e mofados na rua.

Vale lembrar que Chico Xavier não era essa doçura que seus fanáticos adoradores, como que tomados por uma profunda hipnose, tanto lhe afirmam ser.

Suas frases são de um tom malandro de trocadilhos banais e recados de um moralismo retrógrado, e, como quem joga tempero em cima de alimento sem gosto, tais frases se tornam "belas e sábias" pelo enfeite de cenários floridos e celestiais atraentes.

Chico se revelou um ranzinza no programa Pinga Fogo, da TV Tupi, em 1971. Reagiu de maneira rude e ríspida contra a desconfiança natural dos amigos de Jair Presente diante de supostas psicografias.

Além disso, Chico sempre apelava para as pessoas não questionarem para salvar a sua pele.

Ele já foi réu por conta de uma apropriação indébita de um nome de escritor famoso em obras literárias fake, tidas como "psicográficas", e saiu-se impune porque é o padrão de nossa Justiça seletiva, que sempre libera quem atende aos interesses das elites.

Um ídolo religioso favorece as elites nos quais atribui a ele um modelo de "caridade" que serve mais para promover adoração ao "benfeitor", mas cujos resultados são medíocres e nem de longe mexem com os privilégios abusivos dos mais ricos.

E quem acha que o imaginário moralista de Chico Xavier nada tem a ver com Jair Bolsonaro, se engana.

Embora Chico Xavier simbolize oficialmente o "amor" e Jair Bolsonaro, o "ódio", eles estão associados a um processo comum de idolatria e fanatismo.

Ambos representam a mesma catarse emotiva, a mesma imagem de "salvação da pátria", o mesmo simplismo e a abordagem simplória de seus mitos, com propaganda que desestimula a lógica e o bom senso, oferecendo "mitos" prontos, como cardápio de fast food.

Além disso, nos últimos anos o Espiritismo brasileiro simbolizado por Chico Xavier é cultuado com maior frequência nos mesmos espaços de fake news e pensamento reacionário das redes sociais, o que indica afinidade de sintonias e não "atuação socorrista", como querem os adeptos desta religião.

E quem acha que os adeptos de Chico Xavier são menos violentos que os de Jair Bolsonaro, se engana.

Eles são também rancorosos e violentos. E vem de muito tempo.

Em 1958, um seguidor de Chico Xavier, o falecido palestrante Henrique Rodrigues, escreveu um artigo rancoroso e violento contra Amauri Xavier, o sobrinho que iria denunciar as fraudes do tio.

Um outro caso foi um leitor de Obras Psicografadas que reagiu às críticas a Chico Xavier com uma atitude neurótica digna de um psicopata, devido a uma mensagem cheia de ironias agressivas e texto que mostra profunda irritação.

O falecido espírita autêntico, Jorge Murta, já havia afirmado no Facebook que havia recebido até ofensas de seguidores de Chico Xavier, em mensagens que não diferem muito das que são feitas pelos fanáticos seguidores de Jair Bolsonaro.

Dá pena esse apego doentio ao passado, em muitos aspectos. Mas isso pode ser compreendido nos seguintes aspectos.

Em primeiro momento, ou seja, no referido passado, setores da sociedade estão felizes nos seus privilégios desmedidos e nas desigualdades sociais controladas pelas circunstâncias do momento, mais ou menos violentas conforme o estágio da sociedade vigente.

Em segundo momento, a ruptura desses privilégios através de cenários sócio-políticos progressistas, criando transformações sociais profundas que desnorteiam os velhos privilegiados a perder as antigas vantagens sociais.

Em terceiro momento, os velhos privilegiados, de forma às vezes dissimulada, outras nem tanto, reagem e tentam frear o andar da História, promovendo marchas-a-ré em nome do resgate de velhos privilégios, mas evocando palavras apelativas como "democracia", "Família" e "Pátria".

Dentro desse caminho, surgem falsos progressistas a serviço de interesses estratégicos das elites. De fuzileiros navais a ídolos do "funk", passando por "médiuns espíritas", é claro, entre tantos outros oportunistas.

Todos fingindo solidariedade às causas progressistas e à evolução humana, mas secretamente contribuem para o obscurantismo social em todos os aspectos.

Esse apego ao passado atingiu seu ponto mais febril com o fenômeno Jair Bolsonaro.

E fez de uma parcela de jovens usuários das redes sociais da Internet se revelar como uma multidão reacionária, obscurantista, retrógrada e mentalmente medieval.

Ela tornou-se uma sociedade psicótica, neurótica e que conduz o comportamento padrão dos brasileiros "revoltados" que querem Bolsonaro no poder.

São pessoas que vomitam ódio até nos olhos e no semblante, e querem porque querem um projeto autoritário de poder.

E são capazes de abrir mão de conquistas históricas, como o direito trabalhista e a Petrobras, e pouco se importam se Jair Bolsonaro não tem propostas nem projeto digno para o Brasil.

Uma coisa deve se deixar clara.

As comparações de Chico Xavier com Jair Bolsonaro não representaram azar para o candidato do PSL e nem para seus relacionados (existe também a ameaça de seu filho Flávio Bolsonaro ser eleito senador e jogar no Legislativo pautas preocupantes e ameaçadoras para o Brasil).

Vemos que, quando o político é progressista, a associação com Chico Xavier rende más vibrações. Vide o que ocorreu com Juscelino Kubitschek, que colheu infortúnios que culminaram com sua morte.

Já Fernando Collor foi favorecido ao receber o apoio de Chico Xavier e até hoje o dito "caçador de marajás" não sofreu um grave infortúnio em sua vida, conseguindo uma surpreendente reabilitação política.

O mesmo risco pode ocorrer com Jair Bolsonaro, ainda mais com a coincidência forte dos lemas "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho" e "Brasil, acima de tudo, Deus, acima de todos".

E não há empecilhos para barrar o "candidato do ódio", apesar de todo o aparato fraternalista e pretensamente humanista do Espiritismo brasileiro, às vésperas da "data-limite" de 2019.

O próprio Espiritismo brasileiro revela sua falência, porque não contribuiu para frear a ascensão do fascismo e parece consentir, em vibrações energéticas, com a ganância de uma meia-dúzia de egoístas que são os extremistas de direita.

Com isso, o Brasil corre o risco de se destruir como nação, devido à louca cavalgada da extrema-direita. Mas o mausoléu de Chico Xavier está seguro. Ele não é o Museu Nacional...

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