Burrice e moralismo fazem sociedade ter medo de feminicidas morrerem



Suponhamos que existam dois homens em situações biológicas semelhantes.

São dois homens de 54 anos, um músico de heavy metal considerado de boa índole no seu meio, outro um empresário da alta sociedade que cometeu um feminicídio, no final dos anos 1980 e dele saiu impune.

Os dois tiveram um mesmo histórico de uso de cocaína, consumo regular de nicotina e eventuais casos de embriaguez alcoólica.

Ambos sofrem, hoje, grave ocorrência de câncer, que atinge estágio terminal.

Apesar da igual condição de grave enfermidade, a sociedade moralista dá um tratamento desigual aos dois.

Quanto ao músico heavy, a sociedade moralista torce para que ele morresse o mais rápido possível.

Quanto ao feminicida, porém, a mesma sociedade se ofende só de ser informada pela doença em estágio mortal.

Os moralistas se irritam só de serem informados que o feminicida está com câncer. Acham que o sujeito está novo para morrer e que a informação é um "dano moral".

Sociedade insólita e surreal essa, em que a figura do feminicida é a única que não pode morrer.

Há um confuso sentimento de desprezo e apego aos feminicidas mais antigos.

É como se eles se tornassem objetos velhos que precisam ser guardados no porão. São esquecidos, mas quando se fala em jogá-los fora, as pessoas se revoltam.

No Brasil, até youtubers estão morrendo. Mas feminicidas só têm "prazo" para morrer, se matando ou sofrendo acidentes pouco tempo após o crime.

Todos morrem nesta vida material em que vivemos. Exceto os feminicidas, vistos como se fossem um misto de cyborgs com deuses, aos quais se reserva, simbolicamente, um ostracismo tranquilo no olimpo de seu machismo punitivista.

A imprensa, que noticia recos anônimos que morrem durante treinamentos militares e jogadores de futebol de várzea morrendo de infarto, hesita quando o assunto é a morte de um feminicida rico, mesmo aquele que "parou o país" com seu crime e com o julgamento do mesmo.

Vários feminicidas que cometeram seus crimes entre 1977 e 2000 e que não cometeram suicídio nem foram assassinados, já faleceram, em certos casos antes dos 60 anos de idade, sob o mais absoluto silêncio da imprensa.

Hoje, dois feminicidas idosos, um de 81, outro de 84, bastante famosos, estão seriamente doentes, por efeito da combinação entre velhice e os descuidos à saúde cometidos no passado.

A sociedade moralista se assusta só de saber dessa notícia. A imprensa resiste a até mesmo esboçar obituários para quando eles ocorrerem adiantar um texto biográfico.

Os dois feminicidas pertencem a ricas famílias de São Paulo. São muito famosos.

A sociedade moralista, ela mesma afeita a despejar ódio nas redes sociais - boa parte dela defende a candidatura de Jair Bolsonaro para a Presidência da República - contraditoriamente atribui a divulgação da tragédia de um feminicida a uma campanha de ódio e intolerância.

Não é. Tanto que, quando o mais velho dos dois feminicidas idosos teve revelado seu tabagismo inveterado, já poucos dias após ter cometido o crime, isso veio de uma preocupação de seus melhores amigos, gente que gosta do referido criminoso.

A questão, vale lembrar, não é se odiamos ou adoramos os feminicidas, e, a princípio, não há problema neles viverem 90, 95 anos de idade.

O problema é que os feminicidas, segundo o anedotário popular, "matam suas mulheres à vista e matam a si mesmos a prazo". É notório o descuido à saúde de todo homem que pratica violência mortal contra a própria companheira.

A maioria dos feminicídios ocorre em função dos efeitos do álcool ou das drogas. Mas mesmo a fúria extrema e o desafio de cometer um ato irreversível podem fragilizar o organismo, despejando doses extremas de adrenalina e fazendo o autor do crime ser vulnerável a um infarto fulminante.

Dois fatores fazem a sociedade moralista viver um apego estranho aos feminicidas: a burrice e o julgamento de valor moralista.

No que se refere à burrice, muitos ignoram que um feminicida que fumou demais, usou cocaína no passado e se embriagou muito pode sofrer os efeitos graves desse descuido à saúde.

A burrice é tal que um conhecido periódico carioca inventou que o feminicida de 84 anos está "muito ativo nas redes sociais", como se tivesse o fôlego de um moleque youtuber de 22 anos.

Esqueceu o periódico que, na verdade, é um assessor que representa o velho feminicida nas mensagens do Twitter ou, então, algum familiar que o representa nas postagens do Instagram. Ou algum desses representantes atuando no Facebook e no WhatsApp, e por aí vai.

Não existe lógica para o velho feminicida ter o fôlego digital de um Whindersson Nunes. Até porque o idoso machista, provavelmente, quer descansar no final de sua vida, e não quer esbarrar com notícias ou comentários que lembrem o crime que ele cometeu no passado.

Outro motivo, o moralismo, se baseia no "mal necessário" de que os feminicidas, embora reprováveis, são como "justiceiros" da moral conservadora.

Eles estão associados à defesa desesperada e vingativa de valores associados à Família e ao Casamento, além de valores associados a paradigmas patriarcais ligados à supremacia masculina.

O apego aos feminicidas a ponto de se revoltar com a divulgação da tragédia de algum deles, na verdade, se deve ao medo de expor as fraquezas, debilidades e mortes de machistas, contrariando a imagem que se consagrou do macho como "forte e invulnerável".

Só que a lógica do comportamento dos homens que cometem feminicídios, mesmo aqueles ligados às elites e possuem aparência "saudável", apresenta suas debilidades, mais graves do que se pode imaginar.

Entre os homens que matam suas próprias mulheres, alguns dados, não oficialmente divulgados, mas bastante lógicos conforme mostram suas ocorrências, revelam perspectivas trágicas.

Os feminicidas têm de 50% a 80% da expectativa oficial do brasileiro comum, estimada em 75 anos.

Na imprensa, vários feminicidas apresentaram pontos vulneráveis diversos, de estranhas perdas de peso corporal até passado de uso de drogas pesadas e anabolizantes. Vários desses riscos ocorrem ainda na relativa juventude, nas casas dos 30 aos 55 anos, e podem matar os feminicidas nessa faixa.

Entre as tragédias que mais matam ou podem matar feminicidas, estão o câncer, o infarto, o mal súbito, os acidentes de trânsito e até mesmo um outro homicídio, como latrocínio.

Muitos feminicidas ricos podem ser abordados por assaltantes, nas saídas à noite. Conforme alerta o imaginário popular, ladrão não aborda assassino para pedir autógrafo.

A grande moral da história nesse medo de saber a tragédia dos feminicidas é que eles são os únicos aos quais a tragédia não pode sequer ser admitida.

Isso é contra a própria natureza da biologia, porque a morte não escolhe pessoas. A limitação do corpo físico é igual para todo mundo.

Para um país que perdeu, de forma prematura, grandes personalidades como Santos Dumont, Mário de Andrade, Renato Russo, Leila Diniz, Olavo Bilac e Gláuber Rocha, revoltar-se por um simples anúncio de que velhos feminicidas octogenários estão morrendo é algo aberrante.

As tragédias deles não ocorrem porque eu ou você queremos, ou que o movimento feminista e os despachos de umbanda assim rogam.

As tragédias dos feminicidas, mesmo aqueles que ainda não são idosos, ocorrem pelos próprios descuidos deles, pelas fraquezas ocultas e pelos abusos à saúde.

Eles se matam aos poucos, mas a sociedade moralista quer vê-los vivos até não se sabe quando. Só que os organismos dos feminicidas não aguentam essa parada. É a Natureza.

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