É muito fácil culpar o faxineiro pela sujeira exposta

O Espiritismo brasileiro - fala-se nessa religião distorcida que cultua os "médiuns" igrejeiros - é algo muito estranho.
Seus membros fazem o que querem, mas lutam para não sofrerem as consequências.
Não medem escrúpulos em cair em contradições, desde que estejam sempre em vantagem, correndo sempre atrás de uma sombra para se abrigarem da luz do Sol.
Conforme a conveniência do momento, são capazes de serem taxativos num juízo de valor e, depois, desmentirem aquilo que defenderam na véspera.
Historicamente, o movimento espírita manifestava seu orgulho em abraçar a causa igrejeira de Jean-Baptiste Roustaing.
Mas agora os roustanguistas de carteirinha falam em "recuperar as bases de Allan Kardec", dizem reprovar a "vaticanização", falam mal dos "Constantinos" que se multiplicam aos montes nos templos desse Espiritismo que aqui temos.
Vão a programas de TV expor "corretamente" as lições originais do legado kardeciano: falam em lições dos livros de Kardec, citam Erasto, mencionam até o Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos e denunciam os "falsos médiuns".
Mas escrevem livros do mais gosmento igrejismo, cheios de mistificações que deixariam Kardec indignado de tão vergonhosa deturpação.
E, na falta de concentração e até de sintonia com o mundo espiritual, inventam mensagens da própria mente e atribuem ao morto da moda, para garantir as boas vendas dos livros e o bom cartaz do "médium" de ocasião.
Quando se investiga os "podres" do Espiritismo brasileiro, chegando mesmo aos "peixes grandes" da doutrina igrejeira - principalmente Chico Xavier e Divaldo Franco - , seus seguidores começam a se enfurecer.
Mas, como em todo movimento desonesto em que a revolta se dirige não a quem comete irregularidades, mas contra quem as denuncia, os espiritólicos preferem contestar os contestadores.
"Quem é você para criticar uma figura tão pura quanto Chico Xavier", despejou uma seguidora do "médium", irritada demais para quem se julga possuidora de "energias elevadas", a quem questionou o seu ídolo.
"É necessário rigor científico e plena observância das leis para questionar o que nossa Doutrina faz", diz o espiritólico de plantão, na sua típica hipocrisia de quem pede aos outros a moral e a cautela que não tem.
Afinal, quando se trata de um sujeito com um mínimo de prestígio social e alguma suposta filantropia se passar por um morto e escrever mensagens irregulares de puro igrejismo, não se pede o rigor da ciência nem da lei.
Se o sujeito se passa, por exemplo, por Renato Russo, escrevendo poemas piegas atribuídos ao cantor da Legião Urbana, a lei não o pega.
O sujeito pode obter superfaturamento com a caridade, obter estrelismo com a façanha e todo tipo de leviandade. Fica solto por aí, porque "médium" é uma espécie de tucano que deu certo.
É muito fácil culpar o faxineiro pela sujeira que ele expõe.
Quando a sujeira está debaixo do tapete, por mais que se exale um cheiro desagradável, o convívio de honestos complacentes com a desonestidade de seus supostos pares é tranquilo.
Quando ocorre a serenidade forçada da falsa harmonia entre honestos e desonestos, na confraternização entre atos corretos e outros nem tanto, o silêncio que evita a denúncia garante a falsa paz dessa situação.
Mas quando alguém ensaia um questionamento, não é o criminoso a estar à mercê da condenação, mas o seu denunciante.
Num primeiro momento, denunciantes é que são condenados por "mostrar as coisas".
Quando se denuncia a deturpação do Espiritismo original, alguém por acaso dirigiu sua indignação contra os deturpadores? Não.
Em vez disso, se voltam a quem denuncia, porque rompeu com a falsa estabilidade da corrupção consentida.
Pedem um rigor acima do normal, de preferência caprichando no tecniquês e nos melindres "científicos" (ou seja, evitar o máximo de questionamento e analisar o problema "de forma neutra"), para questionar os deslizes do Espiritismo no Brasil.
Ou seja, são tão rigorosos diante do questionamento dos outros que pedem a estes toda a podagem de argumentos contestatórios até desaparecer a contestação e legitimar o problema como se solução fosse.
Acham que até o mais objetivo, porém austero, questionamento contra a deturpação espírita é "opinionismo".
Tentam confundir questionamento severo e objetivo com 'excesso de opinião sem fundamento", por mais que haja fundamento nos questionamentos apresentados.
Sabe-se, por exemplo, que Chico Xavier e Divaldo Franco, pelo conjunto de suas obras, seriam reprovados sem hesitação por ninguém menos do que Jesus Cristo e Allan Kardec.
Jesus os veria como versões atualizadas dos antigos sacerdotes e escribas que ele tanto rejeitava por causa da extravagância religiosa e da falsa sabedoria.
Kardec os veria como inimigos internos de sua doutrina, e os alertas que ele dava, sobretudo em O Livro dos Médiuns, se encaixa rigorosamente no que os dois fizeram (Divaldo ainda faz) e representam.
Isso é chocante, porque, para muitos, os dois ensinadores aprovariam os "médiuns" sob o pretexto da caridade e dos apelos fraternalistas.
Mas é realista. Chocante é ver o quanto a fascinação obsessiva faz de uma considerável maioria das pessoas, mesmo as que se dizem não-espíritas, reféns da imagem adocicada, porém perigosamente dominadora, dos "médiuns" brasileiros.
Há uma série de erros no Espiritismo brasileiro e o maior deles é o de cair em contradição, sempre.
Seus membros tentam dar a impressão, no primeiro momento, de que são infalíveis, por serem representantes na Terra dos mais elevados conselheiros espirituais.
Mas depois, caem no ridículo, quando cometem um erro grave e se autoproclamam "falíveis", praticamente pedindo aos outros a complacência do erro, quando este vem de um figurão espírita no Brasil e em movimentos similares em outros países (como Portugal e Espanha).
Preocupados com a posse da verdade, que lhes escapa das mãos como um sabonete escorregadio, os espíritas brasileiros se contradizem sucessivamente e não querem ser contrariados.
Recentemente, eles se incomodam quando se fala que eles apoiaram o golpe político de 2016.
Mas, no calor do momento, lá estavam eles apoiando a passeata dos "coxinhas" e "manifestoches" e definiam tais manifestações como o "começo da Era de Regeneração".
O movimento espírita estava apoiando a Operação Lava Jato, o governo Michel Temer, o fim dos direitos trabalhistas e previdenciários, a perda da soberania nacional. Estava tudo claro, em diversas publicações e diversos expoentes do movimento espírita.
O Espiritismo brasileiro, com sua conversa de "aceitar o sofrimento" e seus papos de "resgates coletivos" e "reajustes espirituais", criou um imaginário que contribuiu, e muito, para um considerável número de brasileiros apoiar um brutamontes como Jair Bolsonaro.
Mas os membros dessa doutrina, que desde os anos 1970 professa um roustanguismo disfarçado de "recuperação das bases doutrinárias originais", não gostam que se fale nisso.
Tentam desmentir o que eles tinham orgulho de assumir na véspera. Aquilo que, num momento, faziam e defendiam de maneira taxativa e convicta, no dia seguinte passam a desmentir como se "nunca tivessem feito e defendido" antes.
É fácil culpar o faxineiro pela sujeira exposta. Mas o faxineiro quer remover a sujeira.
Só que mostrar a sujeira requer a responsabilidade de quem sujou, e isso criará constrangimento em tantos pretensos honrados da ocasião.
E é esse o problema. E o Espiritismo brasileiro, com seu roustanguismo que já chegou a ser prioridade e motivo de orgulho, acumulou sujeira debaixo do tapete.
Seus roustanguistas, antes orgulhosos e hoje envergonhados, diante de uma doutrina em que muitos seguem o legado de J. B. Roustaing, mas desconhecem, desprezam ou abominam seu nome, tentam todo malabarismo para não caírem em descrédito.
Ultimamente, eles se perdem de tal forma que eles estão agora reivindicando o "direito de errar".
Se perdem na floresta da incoerência e só lhes resta "assumir" as imperfeições, num último esforço de obterem para si a posse da verdade, ainda que como náufragos se agarrando nas tábuas de um navio destruído.
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