Todos morremos um dia. Exceto os feminicidas?
Todos nós morremos um dia. Temos um prazo de validade no nosso organismo, apesar da possibilidade de prolongarmos num tempo relativamente longo.
No Brasil, porém, corre um dado surreal. Os feminicidas, sobretudo os de natureza conjugal e de classes abastadas, são os únicos que, pelo menos simbolicamente, não podem morrer.
Morre tudo quanto é tipo de gente. Mendigo, jogador de futebol, músico de rock, pintor de vanguarda, ator performático, youtuber, professor universitário, até ladrão de banco.
Feminicida, no entanto, "não pode morrer". Pode ser aquele feminicida que "parou o Brasil", que se ele morrer a imprensa não publica uma só linha.
Ainda mais quando, no Wikipedia, o obituário de brasileiros tem que consistir numa lista límpida, quase que uma lista de candidatos a um prêmio Nobel. Só tem que morrer gente legal no Brasil.
Para quem chegou da viagem, feminicida é aquele homem que mata uma mulher por questão de gênero, geralmente se aproveitando de seu jeito indefeso.
Em boa parte das vezes, os feminicídios são conjugais, de homens irritados com o fim de um namoro ou casamento e veem infidelidade conjugal até na mulher abraçando fraternalmente o irmão dela.
São motivados pelo ciúme doentio, pela valentia excessiva e pela covardia.
E por que falamos que os feminicidas "não podem morrer"?
É um comportamento muito estranho, próprio de uma sociedade patriarcalista e machista.
Dois exemplos. Temos dois feminicidas muitíssimo famosos, bem idosos, com indícios de doenças gravíssimas.
Não vamos dizer os nomes, mas o leitor vai sacar quem são: um figurão da alta sociedade paulista, que cometeu um feminicídio nos anos 1970, e um ex-jornalista que cometeu outro em 2000.
Ambos apresentam indícios de graves danos à saúde.
O primeiro cheirou cocaína e se embriagou no passado, e, fumante inveterado, nunca deixou o cigarro.
Muitos apostavam que ele não chegaria vivo depois dos 55, mas, aparentemente, está "saudável" aos 84 anos, a ponto de haver fake news dizendo que ele está "muito ativo nas redes sociais".
Imagine um velho enfermo, que imaginamos querer buscar sossego até para esquecer o crime que ele cometeu (mas do qual saiu impune), ter fôlego de menino para enfrentar um Instagram ou a arena do Facebook?
Fora de lógica, não é mesmo? Ainda mais que o sujeito, apesar de sobreviver, fumou os mesmos cigarros que mataram um verdadeiro who is who de chiques e famosos que badalaram nos anos 1970.
Há indícios, no entanto, que o figurão está com câncer no pulmão (em estágio provavelmente avançado, perto do terminal), problemas cardíacos, mal de Alzheimer (que diz ser "dislexia") e ainda não tem um dos rins, doado sem sucesso para um sobrinho, que acabou falecendo.
O outro feminicida, depois que cometeu seu crime, tomou uma overdose de comprimidos.
Aos 81 anos, já se noticiou que ele está com diabetes, ficando quase cego, e com "indícios" de câncer na próstata. Mas há indícios de que, pela overdose de comprimidos, ele pode sofrer falência múltipla dos órgãos.
Já temos casos de magistrado que mandou matar a esposa que, enquanto foragido da Justiça, apresentava sinais estranhos de abatimento e perda de peso.
Até quando esse magistrado deixou a cadeia, após detido e preso, o fato do pai dele dizer que "ele está bem" mais parece um eufemismo de quem quer dizer "ele está doente e precisa de repouso".
Mas dizer isso soa ofensivo. E existe até uma visão seletiva da sociedade moralista diante de uma mesma tragédia, dependendo do status do indivíduo.
De três pessoas que igualmente são noticiadas como portadoras de um câncer gravíssimo, por exemplo, a sociedade moralista não dá o mesmo tratamento.
Se é um líder de esquerda ou um roqueiro, sobretudo heavy, a sociedade moralista torce para essa pessoa morrer o mais rápido possível.
Se é um ator de grande prestígio ou um artista considerado de vanguarda, a sociedade faz um lamento resignado diante da morte iminente.
Mas se é um homem de algum status que matou a mulher (ou a amiga, colega de trabalho etc), dizer que ele sofre de câncer soa ofensivo e revolta os moralistas, que neste caso confundem um inocente anúncio de doença grave com dano moral.
O cara pode ter um câncer comendo seu organismo, ou um coração parando de bater, que a sociedade moralista quer que ele venda uma imagem de "cidadão que goza de excelente saúde e disposição".
Dizer sobre a tragédia dos feminicidas contra si mesmos é muito duro. Fácil, para muitos, é dizer "bem feito" para as vítimas baleadas por esses "coitados".
Tenhamos paciência. As doenças que se falam sobre eles independem de eu ou você querermos ou não querermos que eles morram.
Feminicidas também produzem suas próprias tragédias, e muitos feminicídios são cometidos por algum dano que os autores desses crimes fazem contra suas saúdes físicas e mentais.
Não vamos nos apegar a apelos moralistas de que eles "devem prolongar" suas existências para, ao menos, ter tempo de parecerem "pessoas legais" à nossa sociedade.
Os feminicidas não têm corpos de super-homens, eles também se fragilizam.
A própria reação que eles fazem, movendo advogados para monitorar a mídia e evitar que se divulguem reportagens sobre antigos crimes, revela o quanto esses machões são muito, muito frágeis.
Sabem que um novo documentário de TV sobre seus antigos crimes pode repercutir nas redes sociais e provocar, nos autores desses crimes, um infarto fulminante.
O fator surpresa pode lhes abater mortalmente, como, por exemplo, eles viajarem para a Europa e reencontrarem um parente da vítima circulando por lá.
Os feminicidas são os que mais têm riscos de morrer prematuramente, bem mais do que os cidadãos comuns e muito mais do que se pode imaginar.
Entre seus males fatais mais típicos, estão o infarto, o câncer, os acidentes de trânsito - eles podem "perder a cabeça" no volante e cometerem acidentes fatais - e são muito mais vulneráveis aos latrocínios.
Afinal, assaltante não rende um feminicida, ainda mais se este for rico, para lhe pedir um autógrafo. O ladrão o assalta para pedir um bem e, se o feminicida reage, o ladrão não vai pedir desculpa e sim atirar no valentão.
Coisas assim nem precisariam ser mencionadas, mas nossas sociedades passam a sentir uma "síndrome de Estocolmo" em relação aos feminicidas, apesar da alta vulnerabilidade que pode fazê-los morrer antes dos 60 anos de idade.
Oficialmente, o feminicida tem um "prazo para morrer" que é, mais ou menos, de até duas semanas após o crime cometido.
Seja por suicídio ou por infarto ou acidente de carro, ocorrências que agora surgem nos obituários dos "defensores da honra machista".
Depois, o feminicida "não pode mais morrer". E, se ele morre, ninguém noticia. Nem se o feminicida ocupou os noticiários nacionais, parou o país e causou comoção e revolta nacional com o crime cometido.
É até engraçado. Noticia-se até morte de reco que, nos treinos militares, infarta durante um exercício pesado. Noticia-se até gandula que sofre mal súbito durante partida de futebol de várzea.
Mas aquele empresário, ou economista, comerciário, magistrado, advogado etc que matou a namorada e saiu impune, quando morre de infarto em algum momento, não há nota que seja divulgada na grande imprensa.
Falar que um feminicida está doente e pode morrer soa "ofensivo", soa como um "dano moral". Soa "preconceituoso", evocando um draminha pessoal que esses assassinos sofrem, como se o sofrimento das famílias das vítimas fosse mero chilique.
O feminicida tem que vender a imagem de "pessoa saudável", mesmo quando um câncer devora seu organismo por dentro.
Ele é ao mesmo tempo um sujeito com mania de coitadismo, com um vitimismo blazé e um pretenso idealista tardio com "muitos planos pessoais", como se o futuro estivesse sempre na palma de suas mãos.
A sociedade patriarcalista e machista precisa mantê-los vivos até os 95 anos, mesmo quando os organismos já mostram sinais de esgotamento aos 45.
A que interessa esse sentimento estranho? A que apego a sociedade patriarcalista e machista tem com os assassinos de mulheres?
Até entendemos que os parentes dos feminicidas sofreriam se estes morressem, mas a sociedade moralista como um todo?
Esse apego se deve a mitos machistas de "honra à Família"? Ou não serão eles os "higienistas" desejados por aqueles que acham que "já tem mulher demais vivendo no Brasil"?
E o Espiritismo brasileiro? Acha que os feminicidas são "justiceiros morais" e, corroborando as alegações machistas de que "a vítima é a culpada", são as mulheres mortas que estão "pagando" pelas ditas Leis de Causa e Efeito?
Os feminicidas não são pessoas que cometem assassinatos por puro desabafo ou para expurgar tensões. Não se tornam figuras zen depois que reconquistam a liberdade por algum motivo. Afinal, eles cometeram um erro sem volta e sofrem os violentos abalos emocionais por causa disso.
Os feminicidas, quando cogitam praticar o crime, contraem para si tensões sociais bastante violentas que atingem fortemente seus organismos. Isso é científico, quando as tensões psicológicas intensas, aliadas a eventuais vícios, podem influir na saúde de alguém de maneira bastante grave.
Não sabe essa sociedade que os feminicidas, em boa parte conjugais, cometem danos à sua própria saúde e vivem pressões emocionais tão pesadas e, não raro, traumáticas, que a qualquer momento eles podem falecer de infarto fulminante?
Ignora-se a probabilidade de o consumo de álcool, drogas, nicotina, o nervosismo no volante, os ódios que os feminicidas produzirem efeitos drásticos neles e que podem fazê-los vítimas até de outros homicídios?
Por outro lado, os feminicidas não perderão muito se morrem (ou desencarnam, segundo os espíritas), mesmo precocemente, porque eles talvez vão trocar por uma encarnação nova, começada do zero.
O que eles perdem são apenas seus atributos sociais cuja única função é alimentar suas vaidades pessoais e o conforto de gozar um privilégio que o crime cometido feriu e que tentam recuperar, em vão.
Eles prolongam a vida apenas para proteger seus "patrimônios simbólicos", que são os seus sobrenomes, sua reputação social, seus privilégios sociais e materiais.
Querem viver não se sabe quando para proteger apenas seus orgulhos, que a condição de privilegiados sociais lhes deu de presente. Querem honrar os sobrenomes que já estão perecidos manchados do sangue da mulher morta.
Mas nada lhes prejudica se eles falecerem mais cedo, talvez privando de atingir uma velhice viciada que apenas combina sensações de vitimismo, orgulho ferido, vaidade e falta do que fazer.
A sociedade machista e moralista é que fica arrancando os cabelos ao ver que feminicidas podem morrer.
A imprensa está se contorcendo toda diante da morte anunciada dos velhos feminicidas.
Em vez de preparar obituários, inventa que os velhos feminicidas estão "muito bem" e "com fôlego de youtuber" para encarar as redes sociais.
Não. Eles vão morrer, porque seus organismos se esgotam. E tem que se consolar porque muitos feminicidas, ao morrerem entre os 40 e 85 anos, ao menos viveram mais do que suas vítimas, mortas, em muitos casos, antes dos 35 anos de idade.
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