Como se deu a traição dos espíritas brasileiros?
A traição do Espiritismo brasileiro em relação aos postulados espíritas originais se deu desde o começo, no século XIX.
Misturando alhos com bugalhos, o movimento espírita brasileiro acolheu tanto o precursor Allan Kardec quanto o deturpador Jean-Baptiste Roustaing.
É o hábito viciado dos brasileiros. Quando surge uma novidade, não se separa joio do trigo e se acolhe, com igual hospitalidade, tanto pioneiros quanto canastrões.
Na Jovem Guarda, movimento raiz do Rock Brasil, por exemplo, se acolheu tanto os pioneiros Bill Haley e Elvis Presley quanto canastrões do porte de Pat Boone e Ricky Nelson.
A Federação Espírita Brasileira foi fundada em 1884 já acolhendo o roustanguismo. Teve até falsa psicografia, atribuída ao suposto espírito de Kardec, pedindo para conhecer a "revelação da revelação".
"Revelação da revelação" é o subtítulo de Os Quatro Evangelhos, que Roustaing lançou por meio de uma "médium", madame Emilie Collignon, atribuída aos famosos evangelistas João, Mateus, Lucas e Marcos.
O livro tem valores místicos próprios do Catolicismo medieval e pegou, do Docetismo que vigorou na Idade Média, a ideia do "Jesus fluídico".
Na Idade Média, se construíram várias mentiras em torno de Jesus de Nazaré, que valem até hoje como "oficiais" e, infelizmente, como "verdades indiscutíveis".
Felizmente, não é o caso do "Jesus fluídico", tese tão absurda que se baseia na ideia de que Jesus nunca passou de um fantasma materializado que não sentia as dores humanas do corpo físico.
A ideia agradou, em princípio, o movimento espírita no Brasil, mas depois seus membros se envergonharam de tal ideia, contrária à imagem que Jesus tem como ídolo religioso dos brasileiros.
Roustaing criou a base que fez a tendência religiosa do movimento espírita, os "místicos", exercer poder em detrimento dos "científicos", que defendiam a fidelidade das bases doutrinárias.
O roustanguismo foi a plataforma que garantiu o poder do grande manipulador, Antônio Wantuil de Freitas, que presidiu a FEB durante várias décadas, até se aposentar em 1970.
Com sua aposentadoria e, quatro anos depois, a morte, surgiram denúncias sobre vários escândalos no movimento espírita.
Com isso, os "místicos" que não se vincularam à direção central da FEB tentaram fazer uma relação de conveniências com os "científicos" e aí surgiu a "fase dúbia", vigente até hoje.
Essa "fase dúbia" consistia em simular uma pretensa recuperação das bases doutrinárias do Espiritismo francês original, sem no entanto abandonar os valores roustanguistas.
Criou-se um engodo que se deixa passar como "Espiritismo autêntico" por conta de um engenhoso processo de artifícios.
Da suposta psicografia à caridade paliativa (Assistencialismo, embora sob o rótulo de Assistência Social), o Espiritismo brasileiro cria uma série de máscaras para encaixar em cada uma de suas muitas e preocupantes contradições.
Entre elas, está em reforçar a emotividade religiosa, através de rituais informais de devoção aos "médiuns" (os sacerdotes do Espiritismo brasileiro) e do aparato de uma caridade que rende mais adoração aos benfeitores do que benefício aos necessitados.
Para tudo tem sempre uma desculpa que, embora estúpida, cai no gosto das pessoas.
Se, por exemplo, a "caridade espírita" é fajuta e não traz resultados sociais expressivos, fala-se, entre outras coisas, que "dificuldades impediram" o avanço dessa "caridade".
Se a psicografia soa fake, tentam desmentir alegando que a natureza do espírito encontra mil mudanças no mundo espiritual que afetam a personalidade.
Claro que há impasses diante dessas desculpas. A psicografia fake, por exemplo, que não reflete as caraterísticas pessoais do morto a que se atribui autoria, não consegue convencer com a tese de suposta autenticidade, se ela mostra qualidade inferior ao talento do morto atribuído.
Ainda assim, tudo se deixa passar.
O Espiritismo brasileiro, com isso, passou a se afirmar pela desonestidade doutrinária, mas seu aparato de pretenso humanismo, com caridade paliativa e romances piegas de cunho moralista, garantem a blindagem, sobretudo aos ditos "médiuns".
E aí vemos que o Brasil, o país do jeitinho e da memória curta, deixou passar esse Espiritismo como pretensa doutrina do esclarecimento e do progresso, que na verdade nada esclarece, mas defende valores moralistas retrógrados e uma ética punitivista da evolução espiritual.
E assim se leva gato por lebre, pensando que o Espiritismo é a "doutrina da sabedoria". Quanta ingenuidade.
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