Brasil, Coração do Mundo e Pátria do Evangelho é um projeto fascista. Entenda


Uma das ideias mais defendidas pelo Espiritismo brasileiro envergonharia Allan Kardec.

Francês, o pedagogo que codificou o Espiritismo original nunca falou que algum país tivesse a primazia de comandar o mundo.

Nem mesmo a França, país onde Kardec nasceu e que havia vivido o Iluminismo e a Revolução Francesa, tinha essa atribuição da parte do pedagogo francês.

Nações são apenas concepções territoriais materiais, humanas, e não seguem missões supostamente divinas ou messiânicas.

Mas no Brasil, ocorre a patriotada na qual soa uma unanimidade (burra, se levarmos em conta o que disse Nelson Rodrigues) acreditar que o nosso país irá comandar o mundo.

Francisco Cândido Xavier, popularmente conhecido como Chico Xavier, que havia metido o nome do escritor maranhense Humberto de Campos numa grande enrascada, usou-o nessa obra oportunista chamada Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho.

A obra, na verdade, segue alguns contextos específicos.

O título é uma alteração de um tema já trabalhado pelo palestrante do movimento espírita, Leopoldo Machado, em 1934, intitulado "Brasil, Berço da Humanidade, Pátria dos Evangelhos".

A obra teria sido também encomendada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), do Estado Novo, num acordo para que as chamadas "casas espíritas" não sofressem mais a repressão policial, que antes era comum na instituição.

Diante disso, o oportunismo matreiro de Chico Xavier fez que se escolhesse o nome de Humberto de Campos para os créditos de suposta autoria espiritual do livro.

Ainda falaremos do caso Humberto de Campos em outra oportunidade.

Mas sabe-se que Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, lançado há 80 anos, tem os estilos respectivos de Chico Xavier e Antônio Wantuil de Freitas, presidente da FEB.

Os dois autores escreveram, a quatro mãos, o livro, do qual Humberto de Campos não escreveu um til do que se atribui a seu espírito.

A única coisa próxima da obra de Humberto de Campos foi um plágio... de um livro cômico (!), a obra satírica O Brasil Anedótico, de 1927.

Trata-se de um capítulo sobre a Lei de Aposentadorias. Wantuil de Freitas tentou argumentar que os autores às vezes "necessitam reescrever textos", como forma de dissimular e tentar desmentir o plágio.

Mas é só ver essa página para ver que o plágio é grosseiro e o capítulo descontextualizado do propósito da obra.

Outro ponto a destacar é que a linguagem do referido livro ufanista não tem o estilo fluente que marcou a obra de Humberto de Campos.

Em muitos trechos, a escrita é pesada e muito cansativa de se ler.

Outro ponto grave é que a abordagem da História do Brasil não condiz com o que se supõe vir da espiritualidade superior, porque ela corrobora preconceitos e abordagens fantasiosas trazidas pelos medíocres livros didáticos distribuídos nas escolas.

Mas o que preocupa é esse desejo de ver o Brasil comandando o mundo.

Nenhuma pessoa, em sã consciência, deve desejar ver um país mandando no mundo. Tivemos o Império Romano, temos o imperialismo dos EUA e, por pouco, não tivemos a supremacia do nazismo alemão.

Não podemos nos deixar crer que um projeto de liderança político-religiosa mundial seja necessariamente um projeto de promover a bondade e a fraternidade.

Observando bem, a ideia de Brasil como um "coração do mundo" e "pátria do Evangelho" é muitíssimo perigosa.

No discurso, fala-se somente em coisas boas: promoção da paz, da fraternidade, da união dos povos, com uma nação a ensinar coisas boas para as pessoas do mundo inteiro etc.

Mas o Catolicismo da Idade Média também começou assim.

Aparentemente, o imperador Constantino (do Império Romano do Oriente, mais tarde Império Bizantino) queria dar a impressão de que estava reabilitando a figura injustiçada de Jesus de Nazaré, condenado pelas autoridades romanas no passado.

Eram as mesmas promessas: "revalorizar" a figura pacifista de Jesus e criar uma aparente unificação pelo Catolicismo, exterminando apenas os inimigos da "religião do Cristo".

Com o tempo, vieram iniciativas sanguinárias, das queimas humanas em praça pública, das torturas e assassinatos diversos (como forca e fuzilamento) e até guerras "santas" como as Cruzadas.

Tiranos como Tomás de Torquemada também transformaram a defesa do Catolicismo num banho de sangue. Milhares de hereges morreram por decisão da "Santa Igreja".

Não vamos nos iludir que os tempos são outros, ainda mais quando, no Brasil, voltam à tona os preconceitos sociais de toda (e pior) espécie e uma considerável parcela de brasileiros quer um fascista governando o país.

De inspiração medieval, confirmada pela evocação do jesuíta Manuel da Nóbrega (Emmanuel), o Espiritismo brasileiro também pode vir com seus Torquemadas, queimas e torturas no futuro.

O moralismo retrógrado do Espiritismo brasileiro, que apela para os sofredores se conformarem com as próprias desgraças, a ponto de desaconselhar queixumes e de pedir que se ore em silêncio, sinaliza que a "pátria do Evangelho" é, na verdade, um projeto fascista.

Primeiro, porque para uma nação dominar o mundo, ela irá escravizar outras.

Segundo, porque para uma religião prevalecer, é preciso criminalizar e até exterminar aqueles que vão contra seu caminho de expansão.

Ninguém vai afirmar isso na cara dura, e não serão poucos que desmentirão o caráter fascista da "maravilhosa profecia".

Mediante as caraterísticas igrejistas do Espiritismo brasileiro, a "pátria do Evangelho" será um duplo resgate do auge do Império Romano (anterior ao nascimento de Jesus) e do auge do Catolicismo medieval.

Não vamos nos iludir pois, só porque o Brasil é o nosso país, isso não quer dizer que será bom que ele exerça supremacia político-religiosa mundial.

O povo dos EUA é prejudicado pela supremacia do país norte-americano, que deixa de investir em ações públicas para atividades bélicas ou de logística política em outros países.

O Espiritismo brasileiro já sinalizou que pode promover ações genocidas no futuro, sob a desculpa dos "resgates coletivos", atribuindo a multidões inteiras uma surreal culpabilidade de um delito passado.

Chico Xavier e Divaldo Franco já fizeram juízos de valor da mais extrema gravidade, que derrubam de vez a falsa imagem humanista que tanto se atribui a eles.

Chico julgou as vítimas de um incêndio criminoso num circo de Niterói de terem sido cidadãos vingativos e sanguinários da Gália, unidade do Império Romano hoje correspondente à França.

Divaldo acusou os refugiados do Oriente Médio de terem sido colonizadores sanguinários que "queriam retornar" para a Europa.

Detalhe: tanto os espectadores do circo de Niterói quanto os refugiados de países como Síria e Iraque eram pessoas humildes, e é vergonhoso que dois "médiuns" tão associados a imagem de humildade fizessem juízo de valor tão brutal.

Isso mostra que o humanitarismo do Espiritismo brasileiro é só de fachada. Para uma religião que fugiu das lições originais de Kardec, isso faz sentido.

Portanto, não se pode defender a supremacia de país algum no nosso planeta. Mesmo que seja o nosso Brasil.

Isso sugere um egoísmo sutil, que vai contra a verdadeira fraternidade, e também apela para um materialismo terrível, que atribui poderes divinos a uma divisão territorial feita mediante as condições espirituais da Terra.

Certamente, a "pátria do Evangelho" tende a ser mais um imperialismo infeliz a fazer milhares e milhares de pessoas sofrerem. Devemos repudiar essa ideia, acabando com a fantasia e pensando com mais prudência e realismo.

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