NXIVM e sua triste lição para o Espiritismo brasileiro

CHLOE SULLIVAN E OS SUPER-HOMENS - Na ficção, tudo é maravilhoso, mas na realidade é que são elas.

Temos que tomar muito cuidado com o discurso de intolerância religiosa, porque também existem armadilhas por trás de uma abordagem bastante simplória.

Diante das vantagens institucionais, econômicas e até mesmo de popularidade e blindagem jurídica que se garante a movimentos religiosos, há muitas seitas de valor duvidoso que se apoiam no discurso de tolerância, tornando-se mentiras protegidas pela máscara da fé e da caridade.

Nos EUA e na Europa a distinção entre tolerância religiosa e a tolerância com a mentira e a opressão travestidas de fé religiosa faz com que se investiguem fraudes religiosas aqui e ali.

A Europa sofreu séculos de Catolicismo medieval, uma religião que se apoiava no pretexto da fraternidade, mas resultou numa atuação violentamente opressiva, sanguinária e enganadora.

Os europeus conseguiram, com muito trabalho, superar essa fase.

Os EUA eventualmente investigam movimentos falsamente religiosos, sem ter receio de derrubar totens que gozam de inabalável prestígio.

No Brasil é que se confunde as coisas, pois a emotividade religiosa por aqui é bastante exagerada, obsessiva e obstinada.

Comparemos o que ocorre com o NXIVM, seita religiosa envolvida em escândalo recente, e comparemos com o Espiritismo brasileiro que, como se sabe, desviou da bússola original de Allan Kardec.

Depois da Cientologia, o NXIVM (lê-se "néxium") tornou-se a seita alvo de investigações jurídicas e policiais.

Fundada por Keith Raniere, a NXIVM se vendia como um projeto de "motivação pessoal" voltado ao público feminino, que prometia "empoderamento" para as pessoas em geral, com ênfase no público feminino.

Havia palestras cujo discurso lembrava mensagens de auto-ajuda e buscava estimular nas pessoas, sobretudo mulheres, um suposto desenvolvimento de auto-estima através de uma série de procedimentos místicos e rituais.

Por trás das palestras, todavia, se escondia a DOS, sigla que remete à expressão latina Dominus Obsequious Sororium, ou "Mestre das Mulheres Submissas".

A DOS era uma organização secreta que trabalhava com escravidão sexual.

Nela entram as atrizes Kristin Kreuk e Allison Mack, estrelas do seriado Smallville que aderiram à NXIVM. 

Kristin aderiu primeiro à seita, e levou Allison a ela. Mas Kristin abandonou a seita e Allison permaneceu, a ponto de se tornar braço-direito de Keith Raniere.

Na DOS, Keith e Allison organizavam rituais de escravidão sexual, marcando as mulheres com barras de ferro incandescente, à maneira do que se faz com o gado nas fazendas, e uma série de rituais humilhantes é feita para "purificar" e "emancipar" (?!) as vítimas.

As iniciais KR, de Keith Raniere, ou as de AM, de Allison Mack, eram marcadas na virilha de cada vítima.

As vítimas teriam que correr 60 km por semana. Tinham uma dieta subnutricional, que fazia com que tivessem 800 calorias, 1200 a menos que o índice mínimo recomendado ao ser humano.

O baixo valor de calorias as fazia terem a estatura física que agradava o chefe Raniere.

Os rituais tinham que ser corretamente cumpridos, sob pena de sofrer outros castigos físicos.

O escândalo abalou o mundo inteiro e derrubou a reputação de Allison Mack, de beleza atraente e antes considerada uma das atrizes que pareciam ter uma personalidade agradável.

E o que o Espiritismo brasileiro tem com isso, afinal?

É certo que a doutrina brasileira não chega ao ponto das perversidades explícitas propostas pelo suposto guru de auto-ajuda Keith Raniere, que está preso (Allison também foi presa, mas pagou fiança e aguarda julgamento em liberdade).

Mas, mesmo assim, o Espiritismo brasileiro é perverso à sua maneira.

Primeiro, porque representa uma traição da mais extrema gravidade aos ensinamentos originais de Allan Kardec.

Sob a desculpa de "adequar à religiosidade do povo brasileiro" e "evocar lições do Cristianismo", o Espiritismo brasileiro abandonou o cientificismo de inspiração iluminista do pedagogo francês.

Em vez disso, o Espiritismo brasileiro abraçou Roustaing, que no contexto brasileiro permitiu que o Espiritismo se rebaixasse a um reboot do Catolicismo medieval que havia prevalecido no período colonial.

Isso é tão certo que um dos maiores ídolos do Espiritismo brasileiro é um padre jesuíta, Manuel da Nóbrega, que "reapareceu" sob o codinome Emmanuel.

A ideia foi, portanto, usar uma embalagem nova para abrigar um conteúdo podre, lembrando que a Igreja Católica, a partir do século XIX, iniciou uma série de transformações que desagradaram os medievalistas.

A "embalagem" foi o Espiritismo francês, mas este foi desfigurado de tal maneira que sua essência real foi anulada no Brasil.

O Espiritismo brasileiro mais parece resultante de um acordo entre o Catolicismo medieval e uma certa parcela de hereges, como feiticeiros e curandeiros, criando um Catolicismo medieval redivivo e repaginado.

Se a seita NXIVM/DOS investe em escravidão sexual, o Espiritismo brasileiro, que surgiu sob a suposta defesa do Abolicionismo, se limita a uma escravidão "menos materialista".

A religião brasileira é adepta da Teologia do Sofrimento, corrente do Catolicismo medieval que poucos católicos propriamente ditos seguem.

Ela foi introduzida por Francisco Cândido Xavier, que é mais devoto dessa corrente do que o mais reacionário dos católicos que pudesse ser defensor ardente da mesma.

Foi Chico Xavier, usando suas palavras de maneira assumida ou "pegando" nomes de autores mortos, que fez propaganda intensa da Teologia do Sofrimento.

Em certos momentos, parecia "poético": pedia para os aflitos ficarem olhando a natureza em vez de reclamarem das desgraças da vida.

Em outros, parecia austero, quando falava para as pessoas sofrerem sem mostrar sofrimento, e ficarem apenas orando em silêncio.

Isso era uma perversidade enorme. Chico Xavier era uma pessoa perversa por trás da aparência de humilde, amoroso e bondoso.

Ele fez juízos de valor severos, era um moralista reacionário, se promovia usando os nomes dos mortos para disfarçar as opiniões pessoais retrógradas que o "médium" publicava.

Ainda vamos falar um pouco mais dele, no próximo dia 30.

O que sabemos é que ele puxou uma linhagem de "médiuns" que, pelo jeito, parecem ter a "beleza" da Allison Mack.

Quem é que não se sentiu atraído pela atriz de Smallville que fez a personagem Chloe Sullivan, uma jornalista comprometida com a ética?

Apesar da aparência feiosa dos "médiuns", muitos se sentem atraídos pela suposta beleza interior dos mesmos, tão "real" quanto a beleza interior de Allison Mack.

Por trás da imagem adocicada dos "médiuns" - outros exemplos são Divaldo Franco, José Medrado e João de Deus - , existem farsantes usurpadores de mortos, moralistas retrógrados, charlatães escondidos pela máscara da caridade.

Até a "caridade" que os "médiuns" dizem fazer, na verdade, está muito distante da suposta filantropia que "transforma vidas".

Essa "caridade" só serve para alimentar o culto à personalidade dos "médiuns" que são os sacerdotes desse Espiritismo que há muito está desfigurado e distante do original francês.

Se essa "caridade", que produz mais adoração aos "médiuns", gerasse realmente os resultados que se diz produzirem, o Brasil não estaria nessa situação caótica em que se vive.

E não adianta culpar os "irmãozinhos que não deixam". São os "médiuns" que nunca ajudam de verdade, até porque o Espiritismo brasileiro é mais uma fábrica de sofredores do que uma base de apoio e conforto moral para quem já sofre.

Lá fora, pelo menos, se investigam as irregularidades da religião, a ponto do FBI, órgão de investigação federal dos EUA, cuidar do caso da NXIVM.

Mas aqui, se denunciamos o Espiritismo brasileiro como traição a Allan Kardec, muita gente fica assustada, acha que é exagero.

O Espiritismo brasileiro tem aspectos sombrios até piores do que certas seitas que chegam a ser postas na berlinda, pelo menos, pela opinião pública dominante, como a Renascer em Cristo e a Igreja Universal do Reino de Deus.

A usurpação criminosa dos mortos, através de escritas ou pinturas fake - nem vamos falar das supostas psicofonias, quase sempre caricaturais - é um atentado à memória dos falecidos, transformados em "brinquedos" para o deleite pessoal de supostos médiuns.

E isso não parte só dos "peixes pequenos". Sabemos que Chico Xavier produzia obras fake e o que ele fez com Humberto de Campos é algo que nem o pior inimigo teria coragem de fazer com alguém.

Divaldo Franco, então, nunca fez mediunidade. Até porque o estilo das mensagens "espirituais" trazidas por ele é uniforme, rigorosamente igual aos depoimentos dados por ele na mídia. Chico ao menos poderia parodiar um estilo ou outro, embora sempre com falhas como em toda obra fake.

São aspectos assim tão sombrios que fazem o Espiritismo se tornar a pior religião do país.

Mas o Espiritismo é o PSDB das religiões, logo ele também goza de impunidade e prestígio inabaláveis, num Brasil marcado pela impunidade e pela proteção a corruptos e facínoras.

Como os tucanos, os espíritas brasileiros também parecem invulneráveis e contam com o apoio de uma classe jurídica, midiática, jornalística e acadêmica com "rabo preso" para certos totens considerados influentes.

Daí que ninguém investiga o lado sombrio do Espiritismo brasileiro. E, depois do escândalo de comentários homofóbicos e direitistas, Divaldo Franco ainda foi receber mais medalha de uma universidade.

O Brasil é ainda um país jovem e certas ignorâncias e malandragens persistem.

Ninguém percebe que a "beleza" dos "médiuns espíritas" tem a ver, sim, com a beleza de alguém.

É a beleza física de Allison Mack, desmascarada pelo escândalo religioso do NXIVM.

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