Espiritismo brasileiro e bolsonarismo na véspera da "data-limite"



Hipócrita, o Espiritismo brasileiro que traiu Allan Kardec e prometeu "recuperar as bases espíritas" do pedagogo francês sem deixar o igrejismo viciado da deturpação, age por omissão.

Oficialmente, o Espiritismo brasileiro não trouxe uma postura política definida, fingindo ser "progressista" e defendendo ideias reacionárias.

Apoiou o golpe político de 2016, exaltando Sérgio Moro, o MBL, a Operação Lava Jato e os "manifestoches", como se fosse o "início de uma nova era de Regeneração e Progresso da humanidade".

Apoiou os retrocessos do governo Michel Temer, como a reforma trabalhista, como formas de "promover o desapego material" dos brasileiros.

Apoiou a precarização do mercado de trabalho como meio de "valorizar o espírito de serviço e de abnegação para o progresso do espírito". E viu na pejotização uma falsa recompensa para os sacrifícios a serem impostos aos trabalhadores.

Denúncias provam que o falecido palestrante Alamar Régis Carvalho já promovia a precarização do trabalho anos antes das maléficas propostas trabalhistas do governo Temer.

Depois correu da raia, quando a opinião pública alertou que o "movimento espírita" adotou posturas favoráveis ao golpismo simbolizado pelo atual cenário político.

Houve internautas tentando desmentir, alegando que a constatação era "injusta" e que o "movimento espírita" apenas "errou" diante de tais prognósticos.

É uma grande hipocrisia: os espíritas brasileiros estavam certos que os movimentos jurídico, político e midiático de 2016 e as manifestações a eles relacionadas iriam promover a regeneração humanitária a partir do exemplo brasileiro.

Quando lhes convinha, havia convicção, certeza, tudo era previsto de maneira taxativa. Grupos como MBL, Vem Pra Rua e até o Revoltados On Line (na ironia do Espiritismo brasileiro dizer reprovar a revolta human) eram tratados como se fossem as tão esperadas "crianças-índigo".

Mas quando isso passou a ter repercussão negativa, os espíritas brasileiros recuaram, e agora se indignam quando são acusados de apoiar o golpe de 2016.

Agora o Espiritismo brasileiro entrou num novo impasse.

É o sutil apoio de seus setores, nunca assumido no discurso, à figura macabra do presidenciável Jair Bolsonaro.

Ele é agora comparado com Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier, no sentido de serem dois mitos defendidos pela sociedade ultraconservadora.

E olha que a comparação é exata e procede: Chico Xavier era um sujeito ultraconservador, a despeito de todo o pensamento desejoso que atribui a ele supostas qualidades positivas, até o progressismo.

Um perfil bolsonarista no YouTube até reproduziu uma entrevista do Pinga Fogo na qual Chico Xavier defendeu a ditadura militar diante do grande público.

E isso também procede: Chico agiu por consciência própria, porque se ele fosse progressista, ele teria evitado isso, sabendo que tais declarações poderiam colocá-lo a perder na posteridade.

Só que não. Chico defendeu com tanta convicção a ditadura militar e não se arrependeu. Em 1989, apoiou Fernando Collor de Mello contra Lula. Em 2002, ao morrer, sinalizava apoiar o PSDB.

Ainda causa polêmica a possibilidade de Chico apoiar Jair Bolsonaro, se vivesse hoje. Mas faz sentido, a julgar pelos famosos que apoiam hoje o candidato do PSL à Presidência da República.

Imginamos até Chico Xavier dizendo coisas do tipo "sabemos que tal candidato é desagradável em muitos aspectos, mas os irmãos entenderão que o Brasil necessita de certos sacrifícios, e ele é o cidadão certo para agir com austeridade e empenho para construir a Pátria do Evangelho".

E o pior é que o lema de Bolsonaro remete a Chico Xavier, com a contundente semelhança dos lemas "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho" e "Brasil, acima de tudo, Deus, acima de todos".

O Espiritismo brasileiro nunca promoveu sequer uma rodada de preces para evitar que o fascismo crescesse no nosso país.

Pelo contrário. A doutrina sempre sinalizou para a manutenção das desigualdades sociais, resolvida apenas por um caridade fajuta (o Assistencialismo, embora os espíritas brasileiros creditem como "assistência social"), que mais evita desastres extremos do que traz beneficios reais.

Aos desprovidos da sorte, o Espiritismo brasileiro, ancorado na Teologia do Sofrimento, sempre pediu aos sofredores suportarem e até gostarem de acumular desgraças, sob a desculpa de que a "vida futura" trará algo melhor, numa espécie de procrastinação da vida.

Aos privilegiados, o Espiritismo brasileiro fazia palestras do tipo "como ser feliz" e "como desenvolver e manter a verdadeira felicidade", em palestras milionárias em hotéis cinco-estrelas, com a grana das inscrições a alimentar a fortuna de dirigentes, palestrantes e "médiuns".

Também se apelava para os sofredores "perdoarem sempre" os abusos dos privilegiados, dando a crer que o poder divino cobraria, em "situação oportuna", as dívidas contraídas pelos algozes.

É uma espécie de "fiado espírita". Quem é privilegiado faz o que quer, roubando, acumulando riquezas à toa, traindo, matando etc. As punições virão na próxima encarnação, pois aos privilegiados se reserva, na encarnação presente, apenas danos pequenos à sua reputação.

No caso dos sofredores, cobra-se o "estelionato moral". Arrependimento é inútil, preces "espíritas" são um desperdício, as pessoas têm que aceitar as desgraças que se acumulam feito avalanche soterrando pessoas, e esperar muito tempo até que Deus conceda alguma graça.

Geralmente essa graça vêm na velhice, com as forças físicas do sofredor já debilitadas e muitos de seus projetos de vida perdidos, ou na encarnação posterior, na qual não se garante que a sociedade oferecerá as mesmas condições de retomar um projeto de vida.

Daí que, diante disso, vem a denúncia de que o "movimento espírita", seguindo as religiões evangélicas pentecostais, estaria apoiando, na surdina, Jair Bolsonaro.

Só que ninguém assume isso publicamente e os espíritas brasileiros estão apavorados diante da associação a um candidato que simboliza o ódio e a vingança.

Só que os espíritas brasileiros não conseguem explicar suas posturas, e tentam ocultar seu conservadorismo de forma a não fazer afugentar o apoio crédulo de setores das esquerdas.

O discurso continua sendo o da "imparcialidade" e da não-definição de um candidato fixo, apenas "orando" para o candidato que "estiver de acordo com os princípios cristãos".

Esse é o discurso. Mas as sintonias do Espiritismo brasileiro estão afinadas com o obscurantismo reacionário nas redes sociais.

As redes se tornaram redutos onde mais se cultua Chico Xavier e mais se divulga psicografias fake (ou psicografakes), que incluem até um suposto Erich Fromm escrevendo como se fosse um youtuber de 18 anos, num cenário em que se valorizam fake news e visões de mundo irracionais.

Essas redes são as que mais apoiam Jair Bolsonaro e mais estão se voltando para um reacionarismo que, surpreendentemente, está conquistando os corações de muitos jovens.

O "velho" travestido de "novo" é associado tanto a Jair Bolsonaro (um projeto ditatorial que se vende como "nova política" para o Brasil) quanto a Chico Xavier (Catolicismo medieval repaginado sob o rótulo "espírita").

Práticas se comprovam bem mais do que o discurso que se silencia sobre certas posturas.

Afinal, o que a pessoa é nem sempre é o que a pessoa diz ser, mas se prova no que a pessoa faz.

E o Espiritismo brasileiro, através de seus membros, demonstra práticas e visões que condizem tanto com o antigo projeto ultraliberal de Aécio Neves quanto de sua forma extrema defendida por Jair Bolsonaro.

Agora, o Espiritismo brasileiro, às vésperas da "data-limite" de 2019, se tornará vítima de suas próprias "profecias", quando a religião nada fez para promover o progresso humano que pedia para o mundo inteiro.

Os espíritas brasileiros agora têm que se conformar com as associações entre Chico Xavier e Jair Bolsonaro, no fundo dois lados de uma mesma moeda do ultraconservadorismo medieval.

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