O conservadorismo enrustido dos espíritas brasileiros



Os espíritas brasileiros, aqueles que seguem a essência igrejeira do movimento espírita, são pessoas estranhas.

Acreditam eles que, quando fazem coisas acertadas, agem por consciência própria, mas quando erram, agem por influência de algum obsessor.

No que se diz à ideologia conservadora, são ao mesmo tempo energicamente conservadores, mas com mania de quererem ser reconhecidos como "progressistas".

Ultimamente, vários seguidores do movimento espírita andam reclamando das acusações de que a religião teria apoiado o golpe político de 2016.

Apelam para "ampla defesa", "argumentos lógicos" e "maiores esclarecimentos", coisas que nunca se lembram quando as coisas lhes são sempre favoráveis.

Não querem assumir aquilo que demonstravam de forma taxativa na véspera.

Palestrantes e publicações do movimento espírita, durante as manifestações do "Fora Dilma" em 2016, se apressaram a anunciar que a regeneração chegou, que os manifestantes agiram intuídos pela espiritualidade superior e que a Operação Lava Jato era guiada por "espíritos de luz".

Hoje, quando a farsa se revelou, os espíritas igrejeiros correm da raia, e manifestam irritação quando são acusados de defender o golpe de 2016.

Num dia, são severos conservadores, moralistas austeros a acusar o projeto do PT de "extravagâncias materialistas" que o "conduziram" a suposta corrupção e ganância.

Noutro, tentam agora elogiar o PT, defender a liberdade de Lula, dizem que oram pelo ex-presidente pedindo perdão e graça de Deus a ele.

Agora se recusam a admitir a simpatia, latente na véspera, a Michel Temer, Geraldo Alckmin e Jair Bolsonaro (que, vale lembrar, personifica o ideal "disciplina, disciplina e disciplina" de Emmanuel).

Tentam verdadeiros dribles verborrágicos no desespero de desmentir aquilo que, em outros tempos, assumiam com firmeza e orgulho.

Agora se dizem "muito tristes" quando outros lhe atribuem apoio aos retrocessos políticos e sociais trazidos pelo governo Michel Temer.

Mas quando Temer chegou ao poder, esses mesmos espíritas pediam para "orarmos em favor do homem" e "confiar no seu projeto de pacificação do país".

Os espíritas igrejeiros tentam agora dizer que "falharam", mas em 2016 não era isso que pensavam: imaginavam que os "manifestoches", os idiotas de verde-amarelo que pediam, se possível, a volta da ditadura militar, eram movidos "pela urgência do Alto em combater a desordem no Brasil".

Vieram evocações de todo tipo: o "Fora Dilma" seria a inauguração da "pátria do Evangelho", a consagração das "crianças-índigos" e o "começo da regeneração da humanidade no Brasil".

Hoje tentam desmentir, e vão correndo feito pombos voando sobre o milho na onda ativista do momento, no caso as manifestações do "Lula Livre".

A hipocrisia toma conta sobretudo de muitos internautas que, nas redes sociais, tentam virar a casaca.

Se, até 2017, mais ou menos, eles eram anti-petistas convictos, reacionários histéricos e moralistas severos, hoje eles tentam apelar pelo refrão fácil "não é bem assim que você pensa".

Criam verdadeiros malabarismos argumentistas para desmentir posturas que assumiram com gosto e com evidência.

Agora eles são os "desiludidos", indecisos entre dizer que "são falíveis" ou "foram mal interpretados".

O Espiritismo brasileiro, ao abraçar J. B. Roustaing e acolher o católico Chico Xavier, se transformou numa religião ultraconservadora, que de "progressista" só possui a fachada, a "embalagem".

O conteúdo é moralista e conservador: reagir às adversidades com silêncio e resignação, evitar questionar os problemas, aceitar os infortúnios e esperar a velhice ou a encarnação seguinte para alguma emancipação social plena.

Os espíritas dizem defender os direitos humanos, mas sempre arrumam desculpas para legitimar o holocausto cotidiano: "resgates morais", "reajustes espirituais", "resgates coletivos", "Lei de Causa e Efeito".

São capazes de justificar flagelos humanos pelo "arbítrio de Deus". Chegam a dizer, em dados momentos, que é inútil os sofredores sonegarem a desgraça e demonstrarem arrependimento, atribuindo a eles "inexorável destino de pagamento de erros passados".

Mas, quando os espíritas são, por essas ideias, classificados de conservadores, retrógrados e reacionários por outrem, eles não gostam.

As reações variam: alguns espíritas se dizem injustiçados e incompreendidos, outros demonstram irritação, outros partem para a choradeira, pedindo clemência àquele que os classificou de tais qualidades negativas.

Há espíritas que se dizem "progressistas" mas parecem mostrar o indisfarçável sotaque reacionário, para não dizer fascista, sem poder esconder a sua irritação.

Têm medo de serem desmascarados na sua dissimulação, e apontam ao outro o dedo acusador do "juízo materialista", a ponto de atribuir ao outro os defeitos que os próprios espíritas possuem, que é o juízo de valor.

Bom é o espírita julgar a desgraça alheia pelo "pagamento de dívidas passadas". A vítima é a culpada, ela tem que responder pelo que fez, ainda que o espírita "bonzinho" lhe peça o perdão de Deus, porque o espírita é o "bondoso", a vítima de uma desgraça, não.

Mas ruim é quando o outro revela que o espírita se tornou conservador e reacionário, fez um julgamento de valor inflexível, fez apologia da desgraça alheia. Aí o espírita choraminga ou se enfurece, perdido entre se considerar falível ou incompreendido.

Ah, nada como o dia seguinte, no qual os juízes inflexíveis de véspera vão dormir triunfantes, de peito erguido, para acordarem envergonhados e com medo de se olharem no espelho.

Que espírita "progressista" é esse que exaltou os "manifestoches" e "coxinhas" de 2016 como "motivados pela força divina", e hoje se irrita quando se diz que o Espiritismo brasileiro apoiou o golpe de 2016?

Que espírita "progressista" é esse que defende que o sofredor aguente as desgraças calado e que até para orar para Deus tem que se fazer em silêncio?

Que espírita "progressista" é esse que defende ideais de direita, mas não quer perder o apoio tendencioso das esquerdas, que, por sorte, lhe agem em complacência, motivadas pelo falso aparato de modéstia e pobreza forjado pelo movimento espírita?

Periga que nossos espíritas igrejeiros, de uma religião que um dia exaltou J. B. Roustaing e hoje o trata como um palavrão, venha gritar, nas redes sociais, que quer "Lula Livre e Bolsonaro 2018".

A contradição encontra moradia no movimento espírita.

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