Espiritismo brasileiro e o pacifismo de sofá



É um cacoete dos brasileiros endeusar qualquer texto sobre paz.

Não importa a autoria, se o balé das palavras garante o efeito analgésico das mensagens aparentemente belas, num aparato de pureza dos textos arrumados, enfeitados e agradáveis.

Mas isso pode se constituir numa gafe vergonhosa, se observarmos o contexto de tais mensagens.

Assim como sugere o ditado popular "de boas intenções, o inferno está cheio", podemos também trocar a expressão "boas intenções" com belas palavras.

Observa-se a atitude de boa-fé que as esquerdas progressistas têm em relação a Francisco Cândido Xavier. ídolo religioso mais alvo de idealizações no Brasil e, talvez, no mundo.

Afinal, nunca se faz, em outra parte do mundo, idealização tão extrema, como se o ídolo religioso se moldasse não pelo que realmente é, mas pela imagem idealizada de seus seguidores apaixonados.

As esquerdas endeusando uma figura bastante conservadora como Chico Xavier acabam caindo no ridículo, porque elas exercem práticas que seu "amado médium" reprovaria e discordaria com muita firmeza.

E isso acaba trazendo mau agouro, porque o Espiritismo brasileiro, deturpado e de raiz roustanguista hoje não assumida, traz más energias.

Foi Ribamar Fonseca falar em Chico Xavier e sua "missão de paz", num texto de março de 2016, e, pouco depois, o golpe político apoiado pelo movimento espírita (é só pesquisar os periódicos e os principais palestrantes) se instaurou e o "pacificador" Michel Temer chegou ao poder.

Agora, Ricardo Kotscho publica "O Silêncio" e o que teremos? Lula morrendo na prisão? Bolsonaro tomando posse como presidente da República, no ano da "data-limite"?

Não devemos apelar para tais recursos, num período frágil.

Ainda mais sendo Chico Xavier blindado pelas Organizações Globo, o que nos faz lembrar de Leonel Brizola, quando nos advertiu diante de nossa reação ao que a Globo defende. Disse, sabiamente, o saudoso político gaúcho (em vida, não em suposta psicografia, felizmente):

 "Quando vocês tiverem dúvidas quanto a que posição tomar diante de qualquer situação, atentem… Se a Rede Globo for a favor, somos contra. Se for contra, somos a favor!"

A Rede Globo blinda Chico Xavier e construiu, com base no roteiro do britânico Malcolm Muggeridge (católico e conservador) sobre Madre Teresa de Calcutá, uma imagem de suposto filantropo para desviar as atenções do público aos pastores eletrônicos das concorrentes.

Portanto, foi uma narrativa tendenciosa, cheia de pieguices, na qual o "médium" foi idealizado como um pretenso filantropo, em narrativa digna de dramaturgia.

E aí as esquerdas sucumbem à tentação patética de aceitar "mensagens de paz", sem perceber as coisas.

Pesquisando pela Internet, o texto publicado por Ricardo Kotscho, "O Silêncio", é atribuído por algumas fontes como autor desconhecido.

Em demais fontes, o texto é revelado como da safra Emmanuel / Chico Xavier.

Há também suspeitas de que o texto pode ser um plágio, como muita coisa lançada por Xavier.

Além do mais, outro ponto ridículo é que, se seguisse esse texto, 99% do que as esquerdas produziram não seria sequer cogitado a ser feito.

Em vez das críticas que se faz aos abusos da grande mídia e do Judiciário, as esquerdas baseadas em Chico Xavier se limitariam a escrever:

"O irmão William Bonner deveria maneirar, se comprometendo mais a sua tarefa de noticiarista e formador de opinião".

"O prezado Sérgio Moro deveria ouvir as vozes do Alto, em vez de estabelecer condenações com base em seus caprichos pessoais".

Ah, como a sociedade fragmentada brasileira faz as pessoas caírem em contradições, por não juntar as peças soltas do quebra-cabeça social em que vivemos.

Com isso, as forças progressistas, de vez em quando, idolatram personalidades, fenômenos e instituições próprios de setores retrógrados da sociedade.

O fazem isso na boa-fé, iludidos pelo falso cheiro de pobreza que sugerem fenômenos como o "funk" e o movimento espírita, o que traz um aparato de pretensa simplicidade.

Mas, nos países desenvolvidos, ninguém fica preso no recreio de cultuar mensagens de paz, deslumbrados com o fácil embelezamento das palavras diabéticas.

Aqui isso pode parecer agradável, mas abre um precedente perigoso.

Enquanto a paz é privatizada em franquias como a de "médiuns" como Chico Xavier e Divaldo Franco, além de ser aprisionada no interminável balé das palavras em textos confortáveis, o ódio sai do papel e das palavras e se torna "patrimônio público".

Enquanto a paz precisa das palavras para exercer seu valor, o ódio não: ele é direto, vai pelos atos, pode agir sem teoria e com muito improviso.

Não se pratica a paz. Aliás, o que é paz? Uma canção de O Rappa, "A Minha Alma", fala em "paz sem voz", ideia que se complementa com "não é paz, é medo".

Ser "ovelha no rebanho", "temer a Deus", "sofrer calado", esses foram os ideais de Chico Xavier, que era adepto da medieval Teologia do Sofrimento.

Isso choca seus seguidores que, com choradeira infantil, tentam desmentir tal ideia.

Alguns, com arrogância, até perguntam: "De onde tirou essa ideia de que Chico Xavier era adepto da Teologia do Sofrimento?".

Respondemos: "Do conteúdo de suas ideias". Comparamos as ideias de Xavier com as da corrente medieval católica e constatamos que elas são rigorosamente as mesmas.

Sobre a paz, num momento de convulsões sociais, é perigoso pensadores de esquerda recorrerem a Chico Xavier, que poucos reconhecem como um cruel deturpador da Doutrina Espírita, tese confirmada em seus livros, comparados com os da Codificação.

A paz que está ocupada demais no balé das palavras, no entretenimento dos "textos lindos", nunca sai desse cativeiro teórico.

Chega a ser patético: enquanto se produzem textos do tipo "vamos praticar a paz todo dia", todos concordam e ninguém se mexe para pôr isso em prática.

Lindo é adorar um "médium" de valor muito duvidoso e trajetória cheia de graves confusões, mas que o poder midiático (TV Tupi e Rede Globo) pode trabalhar "limpamente" seu mito como o de um pretenso sábio e filantropo, para o gozo leviano da adoração pública.

As pessoas se ocupam em adorar "médiuns" e suas "lindas mensagens", enquanto o ódio estoura na esquina.

Embora agradável e confortante, esse entretenimento não tem o menor valor, porque as "palavras de paz" não fazem mais do que o "pacifismo de sofá", se equiparando ao consumo excessivo de açúcar devido ao excesso de doçura que elas significam.

Antes desprezássemos as "lindas mensagens" de paz, pelo tom piegas das mesmas, e duvidássemos de figuras retrógradas como Chico Xavier, e, em contrapartida, agirmos em prol da verdadeira paz.

É gozado que nós temos que nos silenciar diante do sofrimento, mas nos perdemos no balé das palavras e imagens que transformam a ideia de paz em uma menina perdida numa linda floresta.

Será que não podemos também nos silenciar em relação a paz, nos preocupando menos em palavras e mais em ações?

A paz se perde nas palavras, as pessoas se entorpecem na adoração religiosa, e o ódio conquista terrenos e os retrocessos acontecem de maneira galopante.

Ribamar Fonseca falou na "paz de Chico Xavier" e, em seguida, Dilma Rousseff caiu e Michel Temer, chegando ao poder, se apressou em promover profundos retrocessos, vários deles bastante perigosos, como entregar o monitoramento por satélites a estrangeiros, facilitando a espionagem.

Ricardo Kotscho falou na "paz de Chico Xavier" e o que teremos em seguida? Jair Bolsonaro vencendo no primeiro turno, assumindo o Governo Federal e radicalizando, a níveis catastróficos, os retrocessos que já eram preocupantes no governo Temer?

As forças progressistas, às vezes, se comportam como ovelhas endeusando lobos, exaltando os "heróis" do outro lado, patrocinados pelos mesmos chefões da mídia que essas mesmas esquerdas repudiam.

Assim fica fácil. Os chefões da mídia são postos em descrédito, mas seus legados permanecem, com os ídolos religiosos, musicais, esportivos ou de outra natureza sendo endeusados até pelas esquerdas. Desse jeito, será mole Bolsonaro vencer.

Algo deve ser feito para evitar isso e sair da idolatria religiosa cega, dirigida a personalidades duvidosas como Chico Xavier, e do pacifismo de sofá, será um bom caminho.

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