Caridade de Chico Xavier favoreceu a imprensa sensacionalista


A "maior caridade" de Francisco Cândido Xavier não foi uma caridade, mas uma perversidade motivada pelo arrivismo e pelo sensacionalismo.

A divulgação de "cartas mediúnicas", sobretudo nos anos 1970 e 1980, só serviu para promover exotismo através de uma suposta mediunidade.

A atividade, que fascina muita gente pelo apelo religioso e pelo moralismo familiar que isso significa, no entanto é uma coleção de leviandades.

Primeiro, pelo caráter catártico das reuniões "mediúnicas": verdadeiras orgias da fé e do misticismo, com o mesmo êxtase mórbido das festas regadas a sexo, drogas e álcool, mesmo não tendo esses três elementos.

Segundo, pelo estímulo à obsessão espiritual pelos entes queridos falecidos. Há casos de mães que ficaram histéricas e até pulavam escandalosamente diante da divulgação de supostas mensagens atribuídas a filhos mortos.

Terceiro, pelas fraudes que são feitas, facilmente identificáveis pela comparação das caligrafias "mediúnicas" com as assinaturas das respectivas pessoas atribuídas, sobretudo em carteiras de identidade, onde disparates entre umas e outras já foram comprovados.

A "maior caridade" de Chico Xavier, portanto, não deveria ser considerada como tal, porque ela só serviu para sua promoção pessoal, e nada mais suspeito do que uma suposta caridade na qual o benfeitor se sobrepõe aos necessitados e que rende mais adoração do que progressos sociais.

Mas há também outro beneficiado nesse processo, e que evidentemente ajudou na projeção social de Chico Xavier, auxiliando a mídia hegemônica a promovê-lo como ídolo religioso.

É a imprensa sensacionalista, que praticamente sempre acompanhou Chico Xavier desde seus primeiros anos, quando ele não era um ídolo religioso e, sim, um pitoresco beato católico que dizia ter poderes paranormais.

Foi na década de 1930, quando Chico Xavier chegava a aparecer numa imagem com um semblante pesado e assustador, publicada no jornal O Globo.

Nessa época, o jornal de Roberto Marinho flertava com o suposto "médium", a princípio como uma figura pitoresca e exótica associada à paranormalidade.

Xavier era conhecido por um estranho livro, Parnaso de Além-Túmulo, que reuniu supostos poemas e prosas atribuídas a autores mortos, que diz-se terem ditado as obras do mundo espiritual.

Apesar de atraente, a alegação comprovou fraudes, como as diferenças (para pior) de estilos em relação aos autores espirituais alegados.

Nomes como Augusto dos Anjos e Castro Alves soam paródicos no livro, e os estilos de Olavo Bilac e Auta de Souza "desapareceram" na obra "mediúnica".

As Organizações Globo, descontando um breve período em que a influência de católicos fez O Globo "hostilizar" Chico Xavier, deram consideração ao "médium" e, desde os anos 1970, o religioso é uma espécie de "padroeiro" não-declarado da empresa midiática.

A mídia hegemônica, sobretudo a imprensa marrom, sempre se alimentou com eventuais notícias de supostos casos de paranormalidade. Não raro, notícias falsas eram produzidas para repercutir sob tal perspectiva.

Mas a imprensa marrom também é conservadora e moralista - em que pese seu apreço às baixarias de cunho violento ou sexual - , e ela mesma também se alimenta, em outros momentos, exaltando e exacerbando a devoção religiosa.

Chico Xavier caiu como uma luva na imprensa marrom dos anos 1930-1970. A cobertura de O Globo apenas serviu de ponto de partida para veículos de menor status, mas solidários ao poder midiático, trabalharem com mais intensidade essa figura ideológica.

Nele se unem a imagem sensacionalista do indivíduo pitoresco que dizia falar com os mortos e a catarse exagerada e viscosa da idolatria religiosa.

Essa síntese, que faz as populações se tornarem obsediadas por tal ídolo religioso, torna-se um paradigma perigoso ao qual se apega, de forma doentia, o Brasil.

É um apego obsessivo, alimentado com paisagens floridas ou celestiais sobre as quais se insere, pelo "milagre" da Informática, a imagem do "médium", sobretudo se ele for Chico Xavier.

Isso não beneficia as pessoas que passam a idolatrar Chico Xavier. Pelo contrário, as torna escravas do mito do "bondoso médium", contraindo até mesmo azar e infortúnios devido a esse sentimento obsessivo cuja gravidade quase ninguém percebe nem admite.

Quem se beneficia é a imprensa sensacionalista, que se alimenta pela glamourização dupla da morte, através da espetacularização da violência, da exploração do erotismo mórbido e grotesco e da exaltação piegas e exagerada da devoção religiosa.

Num país com mentalidade medieval que é o Brasil de hoje, o baixo jornalismo fornece os padrões emocionais, perceptivos e moralistas que influem até mesmo nas pessoas que se dizem "esclarecidas", mas apegadas a esses velhos paradigmas, falsamente tidos como "novos".

É irônico que o movimento espírita fale tão mal da imprensa sensacionalista, da "exploração lamentável da violência e do ódio entre irmãos", porque essa religião neo-medieval também se alimenta do sensacionalismo jornalístico.

É como numa relação de yin-yang das doutrinas místicas orientais, nas quais dois opostos se alimentam mutuamente.

O movimento espírita também se alimenta da violência que diz condenar, quando prefere criminalizar a vítima sob a alegação de "reajustes espirituais" ou, em caso de tragédias coletivas, transformar as vítimas em "gado expiatório" através da absurda tese dos "resgates coletivos".

Afinal, cada caso é um caso e não dá para atribuir a pessoas estranhas entre si um destino único ou comum, só porque elas foram atingidas por uma mesma tragédia.

Diante desse contexto, se Chico Xavier enviou vibrações positivas, elas se voltaram para a imprensa sensacionalista, que cresceu surpreendentemente, a ponto de um dos apresentadores, José Luiz Datena, pensar em carreira política.

Aliás, José Luiz Datena andou de mãos dadas com o movimento espírita, ao associar o ateísmo ao crime. É lamentável que parte dos ateus, no Brasil, tem consideração com o Espiritismo brasileiro, que já associaram o ateísmo a práticas como o suicídio e a cupidez.

E, juntamente com o "circo", suas "atrações" também cresceram.

Temos coisas que nunca se resolvem, crescem como bola de neve: tráfico de drogas, pistolagem, crimes praticados por pessoas sem carreira criminosa, feminicídios etc.

Pessoas que praticaram crimes de morte chegam a virar subcelebridades, como Suzane Von Richtofen e Guilherme de Pádua.

O Brasil passou a viver essa morbidez viciada de glamourizar a violência e a religiosidade, como se fossem dois lados opostos.

Através da forma pitoresca e sobrenatural do Espiritismo brasileiro, que nunca superou de verdade sua raiz roustanguista (lembremos que Chico Xavier foi tradutor do legado de J. B. Roustaing no Brasil), tem-se a religiosidade medieval, ainda que travestida de falso esclarecimento.

E as percepções humanas, tão presas em velhos paradigmas de religiosidade e moralismo, teima em conviver com a mesmice da violência e da miséria, sob a desculpa de haver um "mundo melhor" do qual ninguém tem ideia do que seja.

Em vez de estudarmos e questionarmos como será realmente o além-túmulo, perdemos em fantasias sobre "cidades espirituais" que fazem ficarmos conformados com as desgraças que se amontoam, transformando nosso Brasil num porão de entulhos que ninguém quer retirar.

São percepções viciadas que ninguém abre mão de ter, e tantos são os sentimentos obsessivos de gente que insiste tanto em adorar Chico Xavier, em apreciar cultura cafona e em defender políticos como Jair Bolsonaro.

Ou que se incomoda quando se fala que assassinos ricos, inclusive os chamados "criminosos passionais" (um tipo de feminicida), também adoecem gravemente e morrem.

É esse moralismo viciado que trava o Brasil e as pessoas ainda cometem a tolice em jogar fora tesouros e coisas inovadoras como se isso fosse uma lição de desapego.

Mas, para que serve o desapego ao que é valioso e necessário, diante do apego mais doentio ao que é velho, obsoleto e até mesmo nocivo à humanidade brasileira?

A confusão reina no Brasil e quem se diverte com isso é a imprensa sensacionalista que os ditos "cidadãos de bem" tanto adoram ver, diante da violência transformada em entretenimento televisivo e produto de pretensiosas lamentações religiosas.

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